terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

A cada 100 índios mortos no Brasil, 40 são crianças

Saúde oferecida aos índios está em patamar muito inferior à do resto da população

Cerca de 40% de todas as mortes entre índios brasileiros registradas desde 2007 foram de crianças com até 4 anos. O índice é quase nove vezes maior que o percentual de mortes de crianças da mesma idade (4,5%) em relação ao total de óbitos no Brasil no mesmo período.
Um levantamento da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) obtido pela BBC Brasil por meio da Lei de Acesso à Informação revela que indicadores da qualidade do serviço de saúde prestado aos índios estão em patamar muito inferior aos do resto da população.
Os dados detalham todas as mortes de índios registradas desde 2007 em cada um dos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), que englobam uma população de cerca de 700 mil índios. As informações de 2013 estão incompletas.
O levantamento mostra que nos últimos sete anos 2.365 índios morreram por causas externas (acidentes ou violência), dos quais 833 foram vítimas de homicídio. Outras 228 mortes por lesões não tiveram sua intenção determinada. Não há informações sobre a autoria dos crimes.
O DSEI Mato Grosso do Sul responde pelo maior número de assassinatos de índios: 137 nos últimos sete anos. Na reserva de Dourados, área indígena visitada pela BBC Brasil, moradores evitam circular à noite por medo de ataques.
Delmira Cláudio, índia guarani kaiowá, teve três filhos assassinados dentro da reserva, todos com menos de 30 anos. Líderes da comunidade atribuem a violência à inoperância policial, ao aumento de moradores não índios e à venda de álcool dentro da reserva.
Os suicídios, por sua vez, foram a causa de 351 mortes de indígenas desde 2007. A região do Alto Solimões, no oeste do Amazonas, registrou mais casos, 104.
Líderes da comunidade atribuem a violência à inoperância policial, entre outros fatores

Um artigo recente da pesquisadora Regina Erthal apontou como principal causa para o fenômeno, comum entre o povo ticuna, o acirramento de conflitos que têm como base “o abandono a que tal populac¸a~o tem sido submetida pelos o´rga~os responsa´veis pela definic¸a~o e implementac¸a~o das poli´ticas pu´blicas”.
Caso fosse um país e levando em conta os dados de 2012, o DSEI Alto Solimões teria a segunda maior taxa de suicídios por habitante do mundo, 32,1 por 100 mil, atrás apenas da Groelândia. O índice entre os índios brasileiros é de 9 suicídios por 100 mil e, no país, 4,9.
Comparações entre os padrões de morte dos índios e dos demais brasileiros em 2011, último ano em que há dados gerais disponíveis, revelam outras grandes discrepâncias.
Enquanto entre os índios as mortes se concentram na infância e só 27,4% dos mortos têm mais de 60 anos, na população geral os com mais de 60 respondem por 62,8% dos óbitos.
Nas últimas décadas, avanços no sistema de saúde reduziram as mortes por doenças infecciosas e parasitárias entre os brasileiros para 4,5% do total. Entre os índios, o índice é de 8,2%.
Hoje quase a metade das mortes no Brasil se deve a doenças mais complexas e difíceis de tratar: problemas no aparelho circulatório (30,7%) e câncer (16,9%).
Já entre os índios doenças respiratórias, como gripes que evoluem para pneumonia, ainda são a principal causa de morte (15,3%). Cânceres respondem por apenas 2,9% dos óbitos entre indígenas.
Muitos padecem de doenças respiratórias

Desde o fim de janeiro, a BBC Brasil espera a resposta a um pedido de entrevista com o secretário Especial de Saúde Indígena, Antônio Alves, para tratar das informações que embasam esta reportagem.
Questionamentos à secretaria sobre as mortes de crianças e as ações para combatê-las foram ignorados, apesar de numerosos e-mails e telefonemas.
A BBC Brasil ainda tentou tratar dos temas com o novo ministro da Saúde, Arthur Chioro, e com o ex-ministro Alexandre Padilha, responsável pela pasta entre 2011 e o início deste ano. Os pedidos de entrevista foram igualmente recusados.
Para o médico Douglas Rodrigues, especialista em saúde indígena da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a alta mortalidade entre crianças mostra que atendimento a índias gestantes e recém-nascidos ainda deixa muito a desejar.
Ele diz que as mortes de índios por doenças infecciosas têm duas razões principais: a maior vulnerabilidade de alguns grupos mais isolados a essas doenças e falhas na assistência médica.
“O mais grave é que essas doenças são evitáveis. Não dá para aceitar que em pleno século 21 tantos índios morram por doenças infecciosas.”
O professor diz que, nas últimas décadas, houve grandes avanços nos serviços de saúde para os índios. Em 1999, a União assumiu a responsabilidade pela saúde indígena, que passou a ser gerenciada pela Funasa (Fundação Nacional de Saúde).
Em 2010, com a criação da Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai), subordinada ao Ministério da Saúde, as ações passaram a ser geridas por um órgão exclusivamente voltado aos índios.
No entanto, segundo o professor, a acelerada melhora nos índices verificada até o início da última década praticamente se interrompeu.
Ele cita os dados de mortalidade infantil entre os índios. Segundo uma apresentação da Sesai, a taxa despencou de 74,6 para mil nascidos vivos, em 2000, para 47,4, em 2004. No entanto, de 2004 a 2011, o índice diminuiu em velocidade bem menor, para 41,9.
No Brasil, a mortalidade infantil em 2011 foi de 15,3. E diferentemente do histórico entre os índios, o índice nacional segue baixando em ritmo uniforme.
“Saiu-se de uma situação de quase desassistência aos índios e foi se aumentando o número de pessoas e lugares em que há profissionais, o que teve um impacto muito grande. Mas depois de 2005 houve uma estabilização, o que é preocupante”, diz Rodrigues.
“Agora é o momento de fazer um ajuste fino, de melhorar a qualidade”.
Por: João Fellet
Fonte: BBC Brasil

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Belo Monte ameaça maior sítio de desova de tartarugas da América do Sul

O maior sítio de desova de quelônios da América do Sul corre o risco de deixar de existir em razão da construção da UHE Belo Monte.  A sobrevivência das tartarugas da Amazônia (Podocnemis expansa) está ameaçada

Tartarugas chegam ao Tabuleiro do Embaubal para depositar seus ovos nas praia do baixo Xingu. Foto: WWF
O maior sítio de desova de quelônios da América do Sul corre o risco de deixar de existir em razão da construção da UHE Belo Monte. A sobrevivência das tartarugas da Amazônia (Podocnemis expansa) está ameaçada.
A apenas 10 quilômetros de distância do canteiro de obras da que pretende ser a terceira maior usina hidrelétrica do mundo, está o Tabuleiro do Embaubal, no rio Xingu, entre os municípios de Senador José Porfírio e Vitória do Xingu (80 km de Altamira). Todos os anos as tartarugas aparecem. Entre os meses de setembro e novembro, quando o rio está no período de estiagem, elas chegam aos montes a esta praia que se forma na cabeceira do rio, conhecida como tabuleiro.
Numa área de não mais do que três campos de futebol, 20 mil tartarugas da Amazônia buscam abrigo para reproduzir. O espaço é concorrido, são 3 hectares onde a maior tartaruga de água doce da América do Sul – que chega a medir 70 cm de comprimento e a pesar 25 kg – escolhe como sítio de reprodução e coloca em média 120 ovos.
Um fenômeno, para muitos emocionante, que começa a dar seus frutos no início de dezembro – após o período de incubação que leva entre 45 e 55 dias– quando começa a temporada dos nascimentos.
Hidrovia no rio Xingu
Essa espécie natural da bacia amazônica passou rapidamente da categoria de “pouco conhecida” para “ameaçada”. A espécie é utilizada como fonte de recurso há séculos por ribeirinhos tanto para alimentação como para produção de óleo. Antes da energia elétrica, o óleo de tartaruga era usado para iluminar as cidades da Amazônia. Agora o perigo é outro.
“Embarcações e grandes balsas passam pela rota de onde as tartarugas cruzam para chegar ao tabuleiro. Aquela região do Xingu tem sofrido um impacto muito grande dessa obra. O impacto é direto, não é indireto como fala o EIA/Rima (Relatório de Impacto Ambiental)”, disse a ((o))eco Luiz Coltro, do Programa Amazônia da Rede WWF-Brasil, que defende a criação de duas unidades de conservação na região para proteger esta espécie de tartaruga.
O Tabuleiro do Embaubal reúne mais de cem ilhas no trecho final do rio Xingu e, com a inundação de áreas como a Volta Grande em decorrência da UHE de Belo Monte, a barragem poderá reter sedimentos e matéria orgânica apodrecida, importantes para conservar as praias do Embaubal, principal área onde esta espécie de quelônio desova.
“Os grandes tabuleiros que concentravam milhares de tartarugas sumiram, não há mais esse fenômeno na Amazônia. O Embaubal é um remanescente daquilo que se encontrava em termos de tabuleiro, é o maior da bacia amazônica em atividade”, argumentou Coltro.
Um dos impactos diretos sobre a área de desova das tartarugas da Amazônia é a hidrovia que liga Belém – Porto de Moz – Vitória do Xingu. “Nessa hidrovia, temos detectado uma quantidade enorme de cascos de tartarugas destruídos pelo impacto de hélices de barcos, rebocadores e balsas gigantescas que passam na frente do tabuleiro, bem na rota por onde as tartarugas cruzam”, comentou.
Segundo o analista de conservação, além do aumento de casos de atropelamento das tartarugas, o volume de vazamento de óleo diesel no rio Xingu tem sido identificado com frequência. “Em determinadas épocas do ano o rio tem uma coloração diferente”.
Há cerca de dois anos, um novo fenômeno foi observado, por não encontrarem lugares seguros para a desova, as tartarugas soltam os ovos em pleno rio. “A tartaruga precisa de um lugar tranquilo, ela observa durante dias o tabuleiro para ter certeza de que aquele lugar oferece segurança para colocar os ovos. O processo todo leva quatro horas. Nessa época do ano, a gente evita ao máximo andar pelo tabuleiro. Mas com o fluxo descomunal de embarcações gigantes que carregam caminhões, a tartaruga simplesmente solta os ovos na água. É uma estratégia de autopreservação”, explicou.
Menos peixe
Desde o início das obras da hidrelétrica, foi observado um forte avanço de grilagem e invasão de terras em matas ribeirinhas no rio Xingu, sem contar a sobrepesca na região.
“A pesca está muito além da capacidade. Os pescadores da região estão reclamando que há anos pescavam cerca de 120 kg de peixe e, hoje, não pescam mais que 30 kg. Cada vez mais está escasseando peixe no rio”, lamentou.
A área do Embaubal, segundo Coltro, já teria sido inclusive alvo de estudos do Ministério de Meio Ambiente que reconhecera esta como uma área prioritária para conservação pela diversidade biológica que abriga e por sua importância socioeconômica, incluindo seu potencial turístico.
O Tabuleiro do Embaubal e suas ilhas adjacentes foram ainda objetos de amparo legal do Macrozoneamento Ecológico-Econômico do Estado, com proposta para criação de uma unidade de conservação do grupo de proteção integral (Lei nº 6.745/ 2005). O programa de Áreas Prioritárias para Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira classificou a região como prioridade de ação em categoria extremamente alta, com ocorrência de espécies ameaçadas, endêmicas e migratórias.
Duas novas Ucs
A expectativa, aponta o analista de conservação, é que neste primeiro semestre de 2014, poderão ser oficializadas a criação do Refúgio de Vida Silvestre (Revis) de proteção integral das cerca de 20 mil tartarugas da Amazônia (Podocnemis expansa) e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS).
As duas Ucs estaduais somam 27 mil hectares e estão localizadas próximo ao pequeno município de Senador José Porfírio, no Pará, com apenas 13 mil habitantes.
Estas unidades representam duas categorias com regimes de utilização diferentes, explica Coltro. “Queremos dotar a região com políticas de conservação, mas ainda não conseguimos mecanismos financeiros para perpetuar estas ações”.
Enquanto o Revis é uma categoria recomendada para espécies que tenham ameaçado o seu sítio de reprodução e se destina à proteção da biodiversidade encontrada na região; a RDS é uma zona do entorno do refúgio de vida silvestre e reúne as ilhas do rio Xingu, assim como parte da comunidades que vivem à beira do rio e desenvolvem a pesca como principal atividade econômica.
Um dos potenciais da região identificados é o conjunto de cavernas e sítios arqueológicos que indicam aqueles territórios como áreas habitadas por grupos indígenas no passado.
No dia 28 de novembro de 2013, cerca de 300 moradores do pequeno município de Senador José Porfírio aprovaram em uma consulta pública a criação destas duas unidades. A consulta corresponde a uma etapa posterior à elaboração de estudos ambientais, socioeconômicos e fundiários, que tem sido realizada desde 2009.
Teve início agora em janeiro a fase de elaboração do parecer técnico por parte da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará (SEMA) para embasar a redação da minuta do decreto que cria as Ucs. E, em seguida, o texto será encaminhado à mesa do governador do Estado para assinatura.
“A criação de Ucs tem algumas fases que são gargalos, a gente está na parte delicada. Vamos para a vontade política, a vontade social já tivemos. Até fevereiro, a minuta de decreto chegará à mesa do governador”, comentou Coltro esperançoso de que em março sejam anunciadas as duas unidades.
O analista lembrou ainda que o estado do Pará se comprometeu na criação de 60 milhões de hectares de Ucs e conta, atualmente, com 42 milhões de hectares de áreas protegidas.
Após a fase de acompanhamento político e de criação das Ucs, terá início a etapa de implementação destas áreas protegidas com pesquisas, elaboração do plano de manejo, criação do conselho gestor e organização das atividades de turismo na região.
Em nota divulgada em dezembro de 2013, a Norte Energia, consórcio responsável pelas obras de Belo Monte, informou que apoia a criação de Ucs nas praias do arquipélago do Tabuleiro do Embaubal, no sudoeste paraense.
“A iniciativa faz parte do Plano de Conservação de Ecossistemas Aquáticos executado pela Norte Energia (…) que mantém equipes de pesquisadores no local. Para atender ao trabalho de monitoramento dos berçários e dar suporte à elaboração de estudos, a empresa construiu uma base de apoio, com alojamentos e acesso à internet”, informou o comunicado.

Fonte: O ((eco))
http://www.youtube.com/watch?v=mqNqdKjDmuY