Ezequiel Antônio Castanha, o maior grileiro da BR 163, foi preso pelo
Ibama no último sábado (21), em Novo Progresso, no Pará. A ação contou
com a participação da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança.
A prisão preventiva foi decretada pela Justiça Federal de Itaituba por
ação movida pelo Ministério Público do Pará.
A prisão de Castanha coroa com êxito a Operação Castanheira,
deflagrada pelo Ibama, Ministério Público Federal, Receita Federal e
Polícia Federal, que desarticulou a maior quadrilha de grileiros que
operava na região da BR 163, no estado do Pará, respondendo por 20% de
todo o desmatamento da Amazônia.
Segundo o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Luciano Evaristo,
que acompanhou a operação, a efetivação da prisão do grileiro Castanha é
o maior marco representativo das ações de combate ao desmatamento no
oeste do Pará. “A desarticulação desta quadrilha contribui
significativamente para o controle do desmatamento na região”.
Castanha vinha atuando na BR 163 invadindo terras da União,
promovendo o desmatamento e comercializando ilegalmente as terras
furtadas. Apenas o núcleo familiar do grileiro responde por quase R$ 47
milhões em multas junto ao Ibama, sem contar com os autos de infração em
nome dos demais membros da quadrilha.
O maior desmatador da Amazônia será julgado pela Justiça Federal e
poderá receber pena de mais de 46 anos de prisão pelos diversos crimes
cometidos, tais como desmatamento ilegal, formação de quadrilha, lavagem
de dinheiro, uso de documentos falsos, além de outros.
Ascom Ibama
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015
Ibama intensifica ações de fiscalização de crimes contra a fauna no MS
No último final de semana, o Ibama realizou uma ação de fiscalização que resultou na autuação e na detenção de um infrator no município de Itaquiraí/MS. Na ocasião, foram apreendidos dois canários-belgas que estavam sendo mantidos em situação extrema de falta de condições de higiene e sanidade, configurando-se o crime de abuso e maus-tratos a animal doméstico.
O autuado mantinha também em cativeiro filhotes de psitacídeos e pássaros capturados na natureza. Além das aves, foram encontradas com o infrator uma pele de jaguatirica, três espingardas de caça e munições de diversos calibres. As multas aplicadas ao infrator totalizaram R$ 19,5 mil e os animais apreendidos foram encaminhados ao Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (Cetas) em Campo Grande.
O infrator confirmou que havia capturado seis coleiros do brejo e um curió nas matas e brejos da região e alegou que os filhotes de papagaio e maritaca que criava teriam caído de ninhos e foram por ele coletados.
O município de Itaquiraí, localizado a 410 km da capital, está em região com o maior índice de captura de aves da fauna silvestre nativa no estado, de onde saem, principalmente, filhotes de papagaios e araras para abastecer o comércio ilegal em estados como Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro.
A operação contou com o apoio de agentes da Polícia Federal do município de Naviraí, que conduziram o infrator para a delegacia do município, onde permaneceu detido pela prática dos crimes ambientais e porte ilegal de armas de fogo.
Ascom/Ibama/MS
Foto: Ibama/MS
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015
Ninguém os ouviu
As usinas hidrelétricas do rio Tapajós devem desalojar mais de
2500 ribeirinhos e matar os peixes dos quais sobrevivem, mas o governo
se recusa a consultá-los
O ribeirinho Rosinaldo Pereira dos Santos, mais conhecido como Tatá, está prestes a trilhar o caminho inverso daquele pretendido pela política social dos governos Lula e Dilma. Morador da beira do rio Tapajós, no oeste do Pará, ele sempre viveu em fartura alimentar. A prova está pendurada na sala de sua casa: fotos de bagres maiores que o próprio pescador. Mas, agora, Tatá pode se tornar mais um a engrossar o rol de brasileiros que precisam de ajuda financeira para se alimentar. O governo federal começou a executar na região um conjunto de obras que, em nome do desenvolvimento, vai tirar o peixe de pescadores que sabem pescar.
Hoje a vida de Tatá é assim: basta ele pousar os olhos sobre o rio durante o dia para dar início ao cálculo mental de qual melhor espécie vai dar pesca, onde, a que horas e com qual isca. É esse conhecimento também que lhe guia entre corredeiras, cachoeiras, pedrais e redemoinhos que brotam da correnteza. Com a renda da pesca ele construiu duas casas, onde tem uma roça com mandioca, banana e murici, cria galinhas e cultiva um pomar com dez tipos de frutas amazônicas. O que a família não come, ele vende. Assim sustentou dois filhos, hoje cria dois netos e, aos 52 anos, planejava adotar mais dois.
Mas os planos estão suspensos desde que chegaram notícias sobre as sete usinas hidrelétricas que o governo planeja erguer na bacia do Tapajós. A maior delas, São Luiz do Tapajós, foi traçada bem no local onde ele mora e pesca: a centenária Pimental, bucólica vila de pescadores cercada por corredeiras e floresta amazônica preservada. Seus habitantes vivem da pesca artesanal, como Tatá, ou da ornamental: peixes pequenos e coloridos encontrados nos trechos onde o rio é raso e transparente. Parte da renda local também vem do garimpo artesanal. Se a usina for licenciada, os 700 moradores serão retirados da beira do rio e levados para a beira da estrada federal BR 230, a Transamazônica, em local próximo ao lago da usina. Como eles, mais de 2.500 ribeirinhos terão suas casas e comunidades alagadas na região do Tapajós, segundo estimativa da Avaliação Ambiental Integrada das sete usinas. Os estudos ambientais não calculam, porém, os outros milhares de pescadores que perderão sua fonte de renda devido as mudanças que as barragens provocam nos rios.
O peixe vai sumir
O primeiro impacto é o “sumiço” dos peixes, eufemismo local para a morte dos animais. O fenômeno já foi observado nas duas grandes usinas do rio Madeira, em Rondônia, construídas seguindo o mesmo modelo das do Tapajós: a usina fio d’água. Para diminuir o impacto ambiental, esse modelo usa reservatórios menores do que hidrelétricas como Itaipu. Mas, ainda assim, trabalha com o represamento. A diferença é que, no lugar de concentrar a represa em um grande lago logo acima da barragem, as usinas fio d’água sobem gradativamente o nível da água, distribuindo o alagamento por uma longa extensão. Ao barrar o fluxo da água, a correnteza perde força, alagando as margens e transformando um trecho do rio em lago. Para formar o reservatório, as usinas do Tapajós vão alagar 3.022 quilômetros quadrados, o equivalente a duas vezes a área da cidade de São Paulo.
O biólogo Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, acompanhou de perto o impacto do modelo sobre o rio Madeira. Ele aponta que, ao quebrar o fluxo da correnteza, o rio passou a ter bolsões de água sem oxigênio, criando um ambiente inóspito para os peixes. Em dezembro de 2008, o Ibama de Rondônia registrou 11 toneladas de peixes mortos durante a construção da usina de Santo Antônio. No relatório, os técnicos registraram que alguns peixes ainda podiam ser vistos “na superfície, agonizando por falta de oxigênio”.
O segundo grande impacto é a quebra do ciclo reprodutivo. Ao subir o rio para fazer a desova, os peixes serão barrados pelos paredões de concreto. Só no caso de São Luiz do Tapajós, a barragem terá sete quilômetros de comprimento. A usina cria “escadas”, pequenas passagens para os peixes cruzarem esse paredão. Mas, segundo Fearnside, a experiência das usinas de Rondônia aponta que são poucas as espécies que acham essas passagens. “Um dos problemas é que o instinto dos peixes é seguir a correnteza principal”, ele explica. Abaixo da barragem, a correnteza mais forte vem da água que sai das turbinas.
Depois de monitorar a queda drástica na vida dentro do rio Madeira, Fearnside não vê perspectivas diferentes para o Tapajós. “São muitos obstáculos. Infelizmente, é improvável que uma tentativa de aprimorar as passagens consiga restaurar a migração dos grandes bagres”, avalia, referindo-se à espécie que é a principal fonte de renda local, a mesma que figura nos retratos pendurados na sala de Tatá.
Uma terceira mudança de grande impacto será o fim do ciclo natural de cheia e seca do rio, já que a usina vai controlar o fluxo da água. Além de desenhar as belas praias de areia branca típicas do Tapajós, responsáveis pela alta procura turística por Alter do Chão, esse fenômeno cria habitats fundamentais para a sobrevivência de diversas espécies vegetais e animais, como ariranhas e certos tipos de peixes, tartarugas e jacarés. A barreira física também será um obstáculo para a reprodução do boto cor de rosa e do peixe boi, espécies que correm risco de extinção.
A voz dos beiradeiros
Quem nasceu na beira do rio sabe da importância do ciclo de cheia e seca para a vida, incluindo a humana. Por isso Luiz Matos de Lima, dono de um mercado em Pimental, foi confrontar um representante da Eletrobras em reunião que ocorria em Trairão, sede do município a que pertence a vila. Os ribeirinhos nem eram convidados, mas Luiz e outros moradores de Pimental foram mesmo assim. Lá, foram informados de que a usina será obrigada a indenizar os moradores ou construir uma nova casa para eles. Mas Luiz sabe que nem o dinheiro ou a casa serão capazes de substituir a quebra no ciclo de sobrevivência. Ele pediu a palavra para alertar que a usina vai tirar tudo dos ribeirinhos, já que novas plantações que forem feitas devem demorar a produzir. “Eles responderam que o governo vai doar cesta básica enquanto o povo não produzir. Já pensou? Coisa mais triste um povo acostumado em trabalhar ter que viver de cesta básica. E eu, que vendo mercadoria, vou viver do que?”, questiona.
“Os estudos de impacto ambiental passaram longe de mensurar os impactos na vida dessas pessoas”, aponta o cientista social Mauricio Torres, um dos maiores estudiosos do modo de vida dos ribeirinhos da região, onde essa população também é conhecida como “beiradeiros”. Com costumes particulares do grupo, os ribeirinhos são intimamente ligados à interação com a floresta e o rio. Grande parte deles raramente vai à cidade ou a um médico. É o caso de Teresa Lobo Pereira, que tem uma casa com roça em Pimental e outra em Montanha e Mangabal. “Eu sou veterana”, ela diz, batendo no peito estufado. “Como diz o dizer nosso, na nossa língua, eu venho dos tronco velho”. Para Teresa, a floresta guarda a farmácia, o supermercado e os caminhos da memória de toda a sua vida. Ela nasceu no “beiradão”, como os ribeirinhos chamam o local, filha de cearense com paraense.
Os ribeirinhos do Tapajós são, em parte, filhos e netos da geração de soldados da borracha que migrou para a Amazônia sob incentivo do governo federal. Quando a produção de látex cessou, eles foram abandonados na região e, para sobreviver, adaptaram-se à interação com o meio. Torres já comprovou o registro de famílias que vivem lá há oito gerações. “Essa é uma história de co-evolução homem e floresta. Eles moldaram a vida de modo que os recursos naturais não acabem e hoje dominam uma tecnologia de manejo do rio e da floresta”, explica Torres. “Mas, na hora que você transforma o rio em lago, você transforma profundamente esse habitat. As consequências disso são trágicas”.
Sobrevivência ameaçada
Com pouca ou nenhuma assistência do Estado, essa não é a primeira vez que os ribeirinhos do Tapajós têm sua terra e modo de vida ameaçados por projetos vindos de Brasília. Foi assim em 1974, quando parte da população local foi expulsa para a criação do Parque Nacional da Amazônia. Alguns foram morar rio acima, outros se mudaram para Pimental e há os que foram para a cidade de Itaituba. A adaptação foi impossível em alguns casos. Torres registrou a fala de uma viúva que contou como o seu marido jamais se adaptou à mudança: “A vida dele ficou muito ruim. Ele na~o sabia fazer nada fora de la´. Nem pescar ele na~o sabia. Ele na~o sabia pescar em outro lugar. Depois que deixaram a gente rodado aqui pra cidade, ele remava mais de dias pra ir la´ no lugarzinho da gente pra pescar. Mas na~o dava mais. Logo morreu. Ele na~o era mais”. Esse e outros relatos orais fazem parte do livro O Escriba e o Narrador, de Torres.
Quarenta anos depois, parte do local de onde os ribeirinhos foram retirados para a criação do parque será, agora, alagada para a construção da usina.
A saga do beiradeiro que “não era mais” depois de arrancado do seu lugar é sintomática do clima que tomou parte da vila de Pimental após a notícia da remoção. Os sorrisos hospitaleiros rapidamente se desfazem quando perguntamos sobre a usina. A professora Suzete de Oliveira Nogueira fica com a voz embargada ao lembrar das perguntas feitas pelos alunos do 3o ano: “professora, não dava pra cada família fazer uma casa flutuante? Aí a gente podia ficar aqui”. Assim como ela, diversos moradores da vila ficam melancólicos ao falar sobre o futuro do lugar onde nasceram e viveram. “Isso aqui vai virar um cemitério. Um lugar fantasma”, diz a ribeirinha Regina Nonato dos Santos, cercada pelas árvores cheias de fruta do quintal da vizinha. “Pra mim isso é tudo um pesadelo. Se eu pudesse, acordava e não dormia mais”.
Além da relação com uma natureza de riqueza luxuriante, os moradores
temem perder a tranquilidade da vila. Assustam-se em antecipação com a
grande quantidade de pessoas que vão chegar. Segundo os estudos da usina
serão 13,5 mil trabalhadores, número que vai no mínimo dobrar com todos
os outros que seguem o fluxo para prestar serviços. Hoje, as portas de
Pimental dormem destrancadas. Não há registro de roubos ou furtos. A
única cena de violência que a reportagem presenciou foi uma mãe batendo
no filho que tentava se esgueirar pelas árvores do quintal. O menino foi
acudido por um papagaio. O bicho disparou uma rajada de gritos agudos,
como se ele mesmo estivesse sob tortura, até a mulher largar o chinelo.
O lugar onde a nova vila será construída ainda não foi definido, mas é possível que ela se torne um dos núcleos urbanos mais próximos do canteiro de obras. Se isso acontecer, Pimental pode ter a mesma sina de Jaci Paraná, vila de pescadores a 20 quilômetros da usina de Jirau, em Rondônia, que viu sua população quadruplicar com o início da obra. A violência em Jaci é tanta que os comerciantes fazem vaquinha para pagar uma empresa de segurança particular. Em 2012, um grupo matou o comandante da Polícia Militar e rendeu oito policiais para assaltar a pequena agência bancária instalada na vila.
Tatá e sua família estão no escuro: nunca ouviram falar de Jaci Paraná e não fazem ideia de quão estratégica é a localização da nova vila de Pimental. Ele e toda a comunidade têm muitas dúvidas sobre o que vai acontecer com a região e como se preparar para as mudanças, mas não há informação ou mediadores independentes para orientá-los nesse processo.
Bernardino, 85 anos, filho de Pimental
A moradora mais antiga de Pimental é Maria Bibiana da Silva, conhecida como Gabriela. Ela tem 105 anos. Em 2012, quando a reportagem de Pública visitou a vila de pescadores pela primeira vez, ela era uma das vozes preocupadas com a chegada da usina: “Não tenho gosto que essa barragem saia, mas uma andorinha só não faz verão”. Dois anos depois, em novembro de 2014, voltamos a procura-la, mas a família interveio. Gabriela não pode mais nem ouvir falar sobre barragem. Sua pressão sobe, é arriscado para a saúde. Mas a percepção da matriarca continua aguçada e ela percebeu o tema da conversa com seu filho, Bernardino Silva Azevedo, 85 anos. De dentro do quarto, perguntava o motivo de nossa presença. A neta tentou desconversar, mas já era tarde: “é a tentação”, a avó repetia, já agitada. Ela só se acalmou quando um neto disse que a reportagem estava lá para falar “das coisas boas” da comunidade.
Bernardino cumpre as vezes de contar a história da família, que é uma aula de Amazônia. Gabriela saiu do Ceará em 1917 com o pai rumo ao Acre, mas eles perderam a condução e ficaram no meio do caminho. Bernardino nunca estudou, a vida de trabalho começou aos 12 anos ao lado da mãe. Participou de todos os ciclos econômicos da Amazônia: o da borracha, na Segunda Guerra Mundial; o da vende de peles de animais, após a decadência da borracha; e o do garimpo. Só parou porque sua saúde não lhe permitiu continuar. “Trabalho pesado é comigo mesmo. Já fiz de tudo. Só não fiz matar gente”, ri, em referência a outra atividade ainda lucrativa na Amazônia: a pistolagem.
Agora, vive para ver mais um ciclo amazônico, a chegada das barragens. Como futuro, ele se vê morando com a mãe na cidade, vivendo de “beneficiozinho”, nas suas palavras.
Governo se recusa a ouvir os ribeirinhos
O Ministério Público Federal iniciou uma ação civil pública exigindo que o Ibama suspendesse o licenciamento da usina enquanto as empresas responsáveis pelos estudos ambientais (leia mais no box) não elaborasse um estudo para avaliar o impacto acumulado das sete usinas na bacia e não realizasse a consulta prévia às comunidades afetadas. A consulta consiste em levar informações sobre o empreendimento aos ribeirinhos e indígenas e ouvir quais são as suas demandas e preocupações. Em tese, o Ibama deveria levar esses argumentos em conta na hora do licenciamento, solicitando adaptações ao projeto de modo a reduzir os impactos negativos. Ou até mesmo vetar o empreendimento. A consulta é obrigatória, segundo a legislação brasileira com base na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário.
Mas a Advocacia Geral da União recorreu e a disputa foi parar no Superior Tribunal de Justiça quando o governo ativou o mecanismo da Suspensão de Segurança, o mesmo que garantiu o avanço de Belo Monte. Em vez da disputa seguir o trâmite normal da justiça, esse mecanismo aciona diretamente o STJ com o argumento de que a paralisação do licenciamento geraria “grave lesa~o a` ordem, sau´de, seguranc¸a e economia públicas”. O ministro Felix Fischer autorizou que o governo seguisse com o licenciamento, mas desde que consultando as populações locais: “o Governo Federal devera´ promover a participac¸a~o de todas as comunidades, sejam elas indi´genas ou tribais, a teor do seu art. 1, que podem ser afetadas com a implantac¸a~o do empreendimento, na~o podendo ser concedida a licenc¸a ambiental antes da sua oitiva”. Além dos ribeirinhos, há terras indígenas Munduruku que serão afetadas e até alagadas pela usina.
Apesar dessa decisão, a Secretaria-Geral da Presidência da República, órgão responsável pela consulta, não está consultando os ribeirinhos. Em reunião gravada pelos Munduruku em setembro, cujo vídeo foi revelado pelo blog Língua Ferina , representantes da Secretaria-Geral dizem a um líder de Montanha e Mangabal que a consulta só se aplica aos indígenas. “Esse processo que estamos fazendo na região se aplica aos indígenas. O que a gente está discutindo é fazer um processo informativo para Montanha e Mangabal, mas que não seria consulta”, diz Nilton Tubino, que era coordenador de Movimentos do Campo na gestão de Gilberto Carvalho. “O entendimento do governo federal hoje, para essa fase, é que quem é ouvido lá pela [convenção] 169 são os indígenas e quilombolas. Isso já tem referência. Comunidades tradicionais não se chegou a esse acordo ainda, dentro do governo, de como vai ser consultado e em que estágio”.
“Não há absolutamente nenhuma justificativa técnica ou jurídica para dizer que essa população ribeirinha não teria esse direito”, afirma o advogado Fernando Prioste, coordenador da ONG Terra de Direitos. “Esse entendimento do governo tem a ver apenas com conveniência política”.
O argumento do governo também foi contestado pelo MPF. Em uma manifestação sobre a Ação Civil Pública sobre o caso, o procurador federal Luís de Camões Lima Boaventura critica a interpretação do governo: “beiradeiros, ribeirinhos e agroextrativistas sa~o ta~o sujeitos de direitos da Convenc¸a~o 169 quanto os indi´genas e devem ter direito a uma consulta apropriada. Afirmar o contrário e´ mais uma vez incidir num discurso hegemônico, em que os diferentes modos de viver e se relacionar com a floresta são desconsiderado”
Procurada pela reportagem da Pública para explicar porque os ribeirinhos de Pimental e outras comunidades ribeirinhas não estão sendo consultados, a Secretaria-Geral da Presidência enviou a seguinte nota: “O governo federal está discutindo com as comunidades indígenas e ribeirinhas uma proposta de metodologia de consulta a estas comunidades da região da bacia do Tapajós. No último dia 30 de janeiro, a Secretaria-Geral se reuniu com representantes do povo Munduruku e da comunidade Montanha Mangabal, quando apresentaram ao governo uma proposta de consulta. Os documentos estão em análise pelo governo federal”.
Apesar da falta de apoio do governo, a comunidade Montanha e Mangabal se organizou para montar o protocolo de consulta e aproveitaram a reunião entre a Secretaria e o povo Munduruku para entregar o seu documento. As outras comunidades a serem afetadas pela usina, porém, estão excluídas do processo. Como é o caso de Pimental, que reúne a maior concentração de ribeirinhos a serem removidos pela usina e nunca foi inserida no processo de consulta.
Falta de informação gera conflitos
A única comunicação entre os ribeirinhos e as empresas que conduzem os estudos é feita por um grupo que se apresenta como “Diálogo Tapajós”, uma empresa de São Paulo contratada pelo consórcio que fez os estudos de impacto ambiental, o mesmo que tem interesse em construir a usina. Em tese, o Diálogo é responsável por apresentar aos moradores os impactos que eles vão sofrer, preparando-os para a mudança e para a negociação com o empreendimento. Mas o grupo não tem autonomia para isso e acaba por não cumprir o seu papel.
“Eu não sei porque colocaram o nome ‘diálogo’, porque quando você faz uma pergunta, eles não respondem”, diz Eudeir Azevedo. Ele elenca algumas das questões para as quais nunca teve resposta: “Pra onde nós vamos mudar? Quanto mais ou menos é que se paga por área afetada? Eles nunca sabem responder nada, então a gente pergunta: quem é realmente de fato a pessoa que a gente deve conversar? Mas nem isso eles dizem”.
Em Pimental, a ação do Diálogo Tapajós tomou um contorno inusitado: o grupo que representa a usina virou “mediador” para aplacar conflitos criado pela própria usina entre membros da comunidade. Sem informações sobre os seus direitos, os moradores da vila se desentenderam sobre qual deveria ser a postura em relação ao empreendimento. O Diálogo Tapajós organizou um conselho para que os ribeirinhos se reunissem com a mediação da empresa.
O discurso da empresa hoje é de que o grande problema de Pimental é a cisão dentro da vila, como se os moradores fossem responsáveis caso as condicionantes não forem cumpridas. Givanildo Rodrigues de Paula, coordenador de campo do Diálogo, cita o exemplo da usina de Belo Monte como uma referência. A hidrelétrica está prestes a iniciar a produção de energia, mas está longe de completar o conjunto de ações sociais condicionadas à licença, como a remoção dos moradores. “É comum, nas nossas reuniões, aparecer a fala de que eles [ribeirinhos do Tapajós] foram a Belo Monte e viram que as casas não estão sendo feitas do jeito que prometeram. Ao invés de alvenaria, estão fazendo pré-moldado, que é quente”, diz Givanildo. “A gente coloca que o Diálogo não tem condição de garantir que aqui não vai ser dessa forma, mas que é um exemplo muito ruim e que a organização da sociedade civil tem que dar conta de evitar que isso aconteça aqui”.
O desentendimento entre moradores de Pimental esquentou em 2010, quando, sem pedir licença, uma empresa de topografia contratada pela Eletrobras furou o chão da comunidade para fixar os primeiros marcos. “Quando um morador foi perguntar qual era o serviço, numa boa, o funcionário disse que não tinha que dar explicação pra ninguém porque tava lá mandado pelo presidente, que na época era o Lula”, lembra Azevedo. Como o governo federal nunca se faz presente na vila, os moradores automaticamente acharam que o funcionário falava do presidente da associação de moradores, José Odair Pereira Matos, conhecido como C.A.K., e foram tomar satisfações com ele. Quando entenderam que o funcionário falava do presidente da república, um grupo se revoltou e destruiu o marco. A partir de então, a associação de moradores passou a proibir que os pesquisadores voltassem a pisar em Pimental. “Assim como eles têm o direito de dizer que a usina tem que sair, é um direito do ribeirinho defender o que é nosso”, diz C.A.K.. “A gente não tá pedindo cesta básica, um novo lugar pra morar, a gente tá defendendo um direito nosso”.
Ameaças e tentativas de suborno
Depois que assumiu uma postura mais combativa, C.A.K. diz que passou a receber intimações para recuar. Primeiro foram as ofertas de dinheiro. “Já recebi ligação do Rio de Janeiro, São Paulo, de meia hora, quarenta minutos. Já veio pessoas também em Pimental. Eles chegam falando em casa, carro e dinheiro no banco”. C.A.K. garante que sempre cortou as propostas pela raiz, nunca deixou os interlocutores chegarem a valores concretos nem nunca aceitou os convites para ir conversar em outros estados.
Depois que recusar as ofertas, C.A.K. relata que começou a receber ligações com ameaças. Um dos seus parceiros levou um soco em uma reunião, a agressão veio de um morador da vila que era contra a postura combativa do grupo. Foi quando C.A.K. decidiu se afastar da associação. “Não é fácil ser liderança nessa região, até nossa família fica marcada”, Apesar do afastamento, ele ainda integra o grupo de Pimental que tem a postura mais crítica em relação à usina. O novo líder da associação permite a entrada de pesquisadores na vila. Ele não pode ser entrevistado pela reportagem pois estava fora, trabalhando no garimpo.
Dentro da vila, a resistência foi vista com receio por alguns. Sem experiência em negociações, parte dos moradores tem medo que a postura os prejudique ainda mais, e preferem aceitar logo as compensações oferecidas. “Os empreendimentos usam as carências locais para impor o projeto, as pessoas acham que só terão acesso aos seus direitos se aceitarem a usina”, afirma Arthur Massuda, membro da Artigo 19. A organização, que trabalha pelo acesso à informação e liberdade de expressão, realiza atividades na região para tentar informar a população sobre os seus direitos no processo com as usinas.
Depois de entrevistar mais de 30 famílias para tentar entender o discurso do grupo afetado que se declara “a favor” da usina, a reportagem de Pública se surpreendeu ao encontrar definições como a de Tatá, que se define como “contra-mas-a-favor”. Ele explica com um riso nervoso: “sou do grupo a favor. Mas, se você me perguntar mesmo, na verdade eu sou contra”. Como muitos, Tatá teme sofrer as consequências de enfrentar um empreendimento financiado pelo governo federal.
Mais do que dividida, a comunidade de Pimental está rendida pelo medo. Tatá cita o caso dos Munduruku, grupo mais organizado na resistência às hidrelétricas na Amazônia e que já sofreu retaliações por sua postura. Depois de expulsarem os pesquisadores da usina de sua terra, em março de 2013, algumas aldeias foram cercadas por barcos e helicópteros da Força Nacional de Segurança. A Expedição Tapajós, como o governo batizou a ação policial, visava “garantir o apoio logístico e a segurança” dos pesquisadores e ficou um mês na região. “Era como estar preso na aldeia”, lembra Juarez Saw Munduruku, cacique da aldeia Sawré Muybu, que fica a poucas horas de Pimental. Sua aldeia virou o símbolo da resistência aos empreendimentos porque pode ter áreas alagadas pela usina, o que é inconstitucional (leia a reportagem A batalha pela fronteira Munduruku).
Mas Tatá quer distância da batalha travada pelos indígenas. Ele já formou seu veredicto: “Não vou me manifestar por nada, já estou grandinho demais pra estar apanhando, morrendo por aí. Não adianta. Você não pode lutar contra o governo federal. Se o governo federal quer, você tem que aceitar”.
Mesmas empresas interessadas na usina são responsáveis pelos estudos de impacto
A relação de pouca confiança entre as empresas que conduzem os estudos de impacto e a população afetada se explica por um vício de origem no processo de licenciamento. As mesmas empresas interessadas em fazer as obras são as responsáveis pelos estudos de impacto ambiental e social e pela comunicação com a população afetada.
“Tem, no mínimo, uma forte tendência de conflito de interesses”, diz Brent Milikan, diretor do programa Amazônia da International Rivers, que monitora o modo como o governo brasileiro conduz o licenciamento das hidrelétricas. “Estamos falando de impactos sobre um patrimônio público e a legislação estabelece que tem de ter medidas de mitigação e compensação. Mas isso, para as empresas, se traduz em gastos”.
Brent aponta o papel “contraditório” da Eletrobras nesse processo. A empresa de capital aberto que é controlada pelo governo federal lidera o consórcio de empresas interessadas em construir a usina, composto por Camargo Correa, EDF, Copel, Cemig, GDF Suez, Endesa e Neoenergia. Brent aponta que, ao invés de ser o fiel da balança do interesse público nesse processo, a Eletrobras lidera o consórcio “como uma empresa privada, focada em maximizar o lucro”. Pior, ela atuaria dentro do governo para pressionar e “intimidar” o órgão licenciador (Ibama) a aprovar os estudos e liberar o licenciamento.
No caso das usinas de São Luiz do Tapajós e Jatobá, o consórcio liderado pela Eletrobras contratou os serviços da CNEC Worley Parsons, empresa australiana que comprou a CNEC, consultoria técnica da Camargo Correa. A Worley Parsons, mesma que executa as obras de compensação social de Belo Monte, foi a responsável pelo levantamento dos impactos ambientais e sociais das usinas do Tapajós.
O Ministério Público Federal apontou uma omissão grave nesses estudos, que motivou uma ação civil pública contra o Ibama e quase paralisou todo o processo de licenciamento: a análise das usinas foram feitas de forma isolada, sem uma avaliação que medisse o conjunto de impactos das sete usinas na bacia. Além disso, o licenciamento estava chegando ao final sem que a população afetada fosse consultada. A data do leilão chegou a ser anunciada pelo Ministério de Minas e Energia, que dias depois suspendeu o anúncio.
Depois que a justiça federal exigiu, a Avaliação Ambiental Integrada ficou pronta em menos de três meses. Foi criticada por ambientalistas por ter sido feita às pressas e por ter se baseado em dados secundários. “O simples fato do estudo ser produzido pelas empresas interessadas deixa a informação viciada e limitada. Vira uma propaganda do empreendimento”, afirma Arthur Massuda, da Artigo 19.
A população de Pimental nunca foi consultada sobre a usina que pode ser construída sobre o solo onde a vila está há pelo menos 120 anos.
Por: Ana Aranha
Fonte: A Pública
O ribeirinho Rosinaldo Pereira dos Santos, mais conhecido como Tatá, está prestes a trilhar o caminho inverso daquele pretendido pela política social dos governos Lula e Dilma. Morador da beira do rio Tapajós, no oeste do Pará, ele sempre viveu em fartura alimentar. A prova está pendurada na sala de sua casa: fotos de bagres maiores que o próprio pescador. Mas, agora, Tatá pode se tornar mais um a engrossar o rol de brasileiros que precisam de ajuda financeira para se alimentar. O governo federal começou a executar na região um conjunto de obras que, em nome do desenvolvimento, vai tirar o peixe de pescadores que sabem pescar.
Hoje a vida de Tatá é assim: basta ele pousar os olhos sobre o rio durante o dia para dar início ao cálculo mental de qual melhor espécie vai dar pesca, onde, a que horas e com qual isca. É esse conhecimento também que lhe guia entre corredeiras, cachoeiras, pedrais e redemoinhos que brotam da correnteza. Com a renda da pesca ele construiu duas casas, onde tem uma roça com mandioca, banana e murici, cria galinhas e cultiva um pomar com dez tipos de frutas amazônicas. O que a família não come, ele vende. Assim sustentou dois filhos, hoje cria dois netos e, aos 52 anos, planejava adotar mais dois.
Mas os planos estão suspensos desde que chegaram notícias sobre as sete usinas hidrelétricas que o governo planeja erguer na bacia do Tapajós. A maior delas, São Luiz do Tapajós, foi traçada bem no local onde ele mora e pesca: a centenária Pimental, bucólica vila de pescadores cercada por corredeiras e floresta amazônica preservada. Seus habitantes vivem da pesca artesanal, como Tatá, ou da ornamental: peixes pequenos e coloridos encontrados nos trechos onde o rio é raso e transparente. Parte da renda local também vem do garimpo artesanal. Se a usina for licenciada, os 700 moradores serão retirados da beira do rio e levados para a beira da estrada federal BR 230, a Transamazônica, em local próximo ao lago da usina. Como eles, mais de 2.500 ribeirinhos terão suas casas e comunidades alagadas na região do Tapajós, segundo estimativa da Avaliação Ambiental Integrada das sete usinas. Os estudos ambientais não calculam, porém, os outros milhares de pescadores que perderão sua fonte de renda devido as mudanças que as barragens provocam nos rios.
Ribeirinhos de Pimental vivem em integração com o Tapajós: hábito de lavar a louça no rio ajuda a atrair os peixes. |
O primeiro impacto é o “sumiço” dos peixes, eufemismo local para a morte dos animais. O fenômeno já foi observado nas duas grandes usinas do rio Madeira, em Rondônia, construídas seguindo o mesmo modelo das do Tapajós: a usina fio d’água. Para diminuir o impacto ambiental, esse modelo usa reservatórios menores do que hidrelétricas como Itaipu. Mas, ainda assim, trabalha com o represamento. A diferença é que, no lugar de concentrar a represa em um grande lago logo acima da barragem, as usinas fio d’água sobem gradativamente o nível da água, distribuindo o alagamento por uma longa extensão. Ao barrar o fluxo da água, a correnteza perde força, alagando as margens e transformando um trecho do rio em lago. Para formar o reservatório, as usinas do Tapajós vão alagar 3.022 quilômetros quadrados, o equivalente a duas vezes a área da cidade de São Paulo.
O biólogo Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, acompanhou de perto o impacto do modelo sobre o rio Madeira. Ele aponta que, ao quebrar o fluxo da correnteza, o rio passou a ter bolsões de água sem oxigênio, criando um ambiente inóspito para os peixes. Em dezembro de 2008, o Ibama de Rondônia registrou 11 toneladas de peixes mortos durante a construção da usina de Santo Antônio. No relatório, os técnicos registraram que alguns peixes ainda podiam ser vistos “na superfície, agonizando por falta de oxigênio”.
O segundo grande impacto é a quebra do ciclo reprodutivo. Ao subir o rio para fazer a desova, os peixes serão barrados pelos paredões de concreto. Só no caso de São Luiz do Tapajós, a barragem terá sete quilômetros de comprimento. A usina cria “escadas”, pequenas passagens para os peixes cruzarem esse paredão. Mas, segundo Fearnside, a experiência das usinas de Rondônia aponta que são poucas as espécies que acham essas passagens. “Um dos problemas é que o instinto dos peixes é seguir a correnteza principal”, ele explica. Abaixo da barragem, a correnteza mais forte vem da água que sai das turbinas.
Depois de monitorar a queda drástica na vida dentro do rio Madeira, Fearnside não vê perspectivas diferentes para o Tapajós. “São muitos obstáculos. Infelizmente, é improvável que uma tentativa de aprimorar as passagens consiga restaurar a migração dos grandes bagres”, avalia, referindo-se à espécie que é a principal fonte de renda local, a mesma que figura nos retratos pendurados na sala de Tatá.
Uma terceira mudança de grande impacto será o fim do ciclo natural de cheia e seca do rio, já que a usina vai controlar o fluxo da água. Além de desenhar as belas praias de areia branca típicas do Tapajós, responsáveis pela alta procura turística por Alter do Chão, esse fenômeno cria habitats fundamentais para a sobrevivência de diversas espécies vegetais e animais, como ariranhas e certos tipos de peixes, tartarugas e jacarés. A barreira física também será um obstáculo para a reprodução do boto cor de rosa e do peixe boi, espécies que correm risco de extinção.
O neto do pescador Tatá aprende desde cedo a sabedoria que poderia garantir seu sustento. Mas o conhecimento do avô pouco valerá |
Quem nasceu na beira do rio sabe da importância do ciclo de cheia e seca para a vida, incluindo a humana. Por isso Luiz Matos de Lima, dono de um mercado em Pimental, foi confrontar um representante da Eletrobras em reunião que ocorria em Trairão, sede do município a que pertence a vila. Os ribeirinhos nem eram convidados, mas Luiz e outros moradores de Pimental foram mesmo assim. Lá, foram informados de que a usina será obrigada a indenizar os moradores ou construir uma nova casa para eles. Mas Luiz sabe que nem o dinheiro ou a casa serão capazes de substituir a quebra no ciclo de sobrevivência. Ele pediu a palavra para alertar que a usina vai tirar tudo dos ribeirinhos, já que novas plantações que forem feitas devem demorar a produzir. “Eles responderam que o governo vai doar cesta básica enquanto o povo não produzir. Já pensou? Coisa mais triste um povo acostumado em trabalhar ter que viver de cesta básica. E eu, que vendo mercadoria, vou viver do que?”, questiona.
“Os estudos de impacto ambiental passaram longe de mensurar os impactos na vida dessas pessoas”, aponta o cientista social Mauricio Torres, um dos maiores estudiosos do modo de vida dos ribeirinhos da região, onde essa população também é conhecida como “beiradeiros”. Com costumes particulares do grupo, os ribeirinhos são intimamente ligados à interação com a floresta e o rio. Grande parte deles raramente vai à cidade ou a um médico. É o caso de Teresa Lobo Pereira, que tem uma casa com roça em Pimental e outra em Montanha e Mangabal. “Eu sou veterana”, ela diz, batendo no peito estufado. “Como diz o dizer nosso, na nossa língua, eu venho dos tronco velho”. Para Teresa, a floresta guarda a farmácia, o supermercado e os caminhos da memória de toda a sua vida. Ela nasceu no “beiradão”, como os ribeirinhos chamam o local, filha de cearense com paraense.
Os ribeirinhos do Tapajós são, em parte, filhos e netos da geração de soldados da borracha que migrou para a Amazônia sob incentivo do governo federal. Quando a produção de látex cessou, eles foram abandonados na região e, para sobreviver, adaptaram-se à interação com o meio. Torres já comprovou o registro de famílias que vivem lá há oito gerações. “Essa é uma história de co-evolução homem e floresta. Eles moldaram a vida de modo que os recursos naturais não acabem e hoje dominam uma tecnologia de manejo do rio e da floresta”, explica Torres. “Mas, na hora que você transforma o rio em lago, você transforma profundamente esse habitat. As consequências disso são trágicas”.
Sobrevivência ameaçada
Com pouca ou nenhuma assistência do Estado, essa não é a primeira vez que os ribeirinhos do Tapajós têm sua terra e modo de vida ameaçados por projetos vindos de Brasília. Foi assim em 1974, quando parte da população local foi expulsa para a criação do Parque Nacional da Amazônia. Alguns foram morar rio acima, outros se mudaram para Pimental e há os que foram para a cidade de Itaituba. A adaptação foi impossível em alguns casos. Torres registrou a fala de uma viúva que contou como o seu marido jamais se adaptou à mudança: “A vida dele ficou muito ruim. Ele na~o sabia fazer nada fora de la´. Nem pescar ele na~o sabia. Ele na~o sabia pescar em outro lugar. Depois que deixaram a gente rodado aqui pra cidade, ele remava mais de dias pra ir la´ no lugarzinho da gente pra pescar. Mas na~o dava mais. Logo morreu. Ele na~o era mais”. Esse e outros relatos orais fazem parte do livro O Escriba e o Narrador, de Torres.
Quarenta anos depois, parte do local de onde os ribeirinhos foram retirados para a criação do parque será, agora, alagada para a construção da usina.
A saga do beiradeiro que “não era mais” depois de arrancado do seu lugar é sintomática do clima que tomou parte da vila de Pimental após a notícia da remoção. Os sorrisos hospitaleiros rapidamente se desfazem quando perguntamos sobre a usina. A professora Suzete de Oliveira Nogueira fica com a voz embargada ao lembrar das perguntas feitas pelos alunos do 3o ano: “professora, não dava pra cada família fazer uma casa flutuante? Aí a gente podia ficar aqui”. Assim como ela, diversos moradores da vila ficam melancólicos ao falar sobre o futuro do lugar onde nasceram e viveram. “Isso aqui vai virar um cemitério. Um lugar fantasma”, diz a ribeirinha Regina Nonato dos Santos, cercada pelas árvores cheias de fruta do quintal da vizinha. “Pra mim isso é tudo um pesadelo. Se eu pudesse, acordava e não dormia mais”.
Comunidade é tranquila e farta de belezas naturais. É exatamente nesse local que o governo federal pretende erguer a usina de São Luiz do Tapajós... |
O lugar onde a nova vila será construída ainda não foi definido, mas é possível que ela se torne um dos núcleos urbanos mais próximos do canteiro de obras. Se isso acontecer, Pimental pode ter a mesma sina de Jaci Paraná, vila de pescadores a 20 quilômetros da usina de Jirau, em Rondônia, que viu sua população quadruplicar com o início da obra. A violência em Jaci é tanta que os comerciantes fazem vaquinha para pagar uma empresa de segurança particular. Em 2012, um grupo matou o comandante da Polícia Militar e rendeu oito policiais para assaltar a pequena agência bancária instalada na vila.
Tatá e sua família estão no escuro: nunca ouviram falar de Jaci Paraná e não fazem ideia de quão estratégica é a localização da nova vila de Pimental. Ele e toda a comunidade têm muitas dúvidas sobre o que vai acontecer com a região e como se preparar para as mudanças, mas não há informação ou mediadores independentes para orientá-los nesse processo.
Bernardino, 85 anos, filho de Pimental
A moradora mais antiga de Pimental é Maria Bibiana da Silva, conhecida como Gabriela. Ela tem 105 anos. Em 2012, quando a reportagem de Pública visitou a vila de pescadores pela primeira vez, ela era uma das vozes preocupadas com a chegada da usina: “Não tenho gosto que essa barragem saia, mas uma andorinha só não faz verão”. Dois anos depois, em novembro de 2014, voltamos a procura-la, mas a família interveio. Gabriela não pode mais nem ouvir falar sobre barragem. Sua pressão sobe, é arriscado para a saúde. Mas a percepção da matriarca continua aguçada e ela percebeu o tema da conversa com seu filho, Bernardino Silva Azevedo, 85 anos. De dentro do quarto, perguntava o motivo de nossa presença. A neta tentou desconversar, mas já era tarde: “é a tentação”, a avó repetia, já agitada. Ela só se acalmou quando um neto disse que a reportagem estava lá para falar “das coisas boas” da comunidade.
Bernardino cumpre as vezes de contar a história da família, que é uma aula de Amazônia. Gabriela saiu do Ceará em 1917 com o pai rumo ao Acre, mas eles perderam a condução e ficaram no meio do caminho. Bernardino nunca estudou, a vida de trabalho começou aos 12 anos ao lado da mãe. Participou de todos os ciclos econômicos da Amazônia: o da borracha, na Segunda Guerra Mundial; o da vende de peles de animais, após a decadência da borracha; e o do garimpo. Só parou porque sua saúde não lhe permitiu continuar. “Trabalho pesado é comigo mesmo. Já fiz de tudo. Só não fiz matar gente”, ri, em referência a outra atividade ainda lucrativa na Amazônia: a pistolagem.
Agora, vive para ver mais um ciclo amazônico, a chegada das barragens. Como futuro, ele se vê morando com a mãe na cidade, vivendo de “beneficiozinho”, nas suas palavras.
Bernardino Silva Azevedo, 85 anos, viveu todos os ciclos econômicos da Amazônia no último século. Ele vai ser retirado da vila onde nasceu para viver na cidade. |
O Ministério Público Federal iniciou uma ação civil pública exigindo que o Ibama suspendesse o licenciamento da usina enquanto as empresas responsáveis pelos estudos ambientais (leia mais no box) não elaborasse um estudo para avaliar o impacto acumulado das sete usinas na bacia e não realizasse a consulta prévia às comunidades afetadas. A consulta consiste em levar informações sobre o empreendimento aos ribeirinhos e indígenas e ouvir quais são as suas demandas e preocupações. Em tese, o Ibama deveria levar esses argumentos em conta na hora do licenciamento, solicitando adaptações ao projeto de modo a reduzir os impactos negativos. Ou até mesmo vetar o empreendimento. A consulta é obrigatória, segundo a legislação brasileira com base na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário.
Mas a Advocacia Geral da União recorreu e a disputa foi parar no Superior Tribunal de Justiça quando o governo ativou o mecanismo da Suspensão de Segurança, o mesmo que garantiu o avanço de Belo Monte. Em vez da disputa seguir o trâmite normal da justiça, esse mecanismo aciona diretamente o STJ com o argumento de que a paralisação do licenciamento geraria “grave lesa~o a` ordem, sau´de, seguranc¸a e economia públicas”. O ministro Felix Fischer autorizou que o governo seguisse com o licenciamento, mas desde que consultando as populações locais: “o Governo Federal devera´ promover a participac¸a~o de todas as comunidades, sejam elas indi´genas ou tribais, a teor do seu art. 1, que podem ser afetadas com a implantac¸a~o do empreendimento, na~o podendo ser concedida a licenc¸a ambiental antes da sua oitiva”. Além dos ribeirinhos, há terras indígenas Munduruku que serão afetadas e até alagadas pela usina.
Apesar dessa decisão, a Secretaria-Geral da Presidência da República, órgão responsável pela consulta, não está consultando os ribeirinhos. Em reunião gravada pelos Munduruku em setembro, cujo vídeo foi revelado pelo blog Língua Ferina , representantes da Secretaria-Geral dizem a um líder de Montanha e Mangabal que a consulta só se aplica aos indígenas. “Esse processo que estamos fazendo na região se aplica aos indígenas. O que a gente está discutindo é fazer um processo informativo para Montanha e Mangabal, mas que não seria consulta”, diz Nilton Tubino, que era coordenador de Movimentos do Campo na gestão de Gilberto Carvalho. “O entendimento do governo federal hoje, para essa fase, é que quem é ouvido lá pela [convenção] 169 são os indígenas e quilombolas. Isso já tem referência. Comunidades tradicionais não se chegou a esse acordo ainda, dentro do governo, de como vai ser consultado e em que estágio”.
“Não há absolutamente nenhuma justificativa técnica ou jurídica para dizer que essa população ribeirinha não teria esse direito”, afirma o advogado Fernando Prioste, coordenador da ONG Terra de Direitos. “Esse entendimento do governo tem a ver apenas com conveniência política”.
O argumento do governo também foi contestado pelo MPF. Em uma manifestação sobre a Ação Civil Pública sobre o caso, o procurador federal Luís de Camões Lima Boaventura critica a interpretação do governo: “beiradeiros, ribeirinhos e agroextrativistas sa~o ta~o sujeitos de direitos da Convenc¸a~o 169 quanto os indi´genas e devem ter direito a uma consulta apropriada. Afirmar o contrário e´ mais uma vez incidir num discurso hegemônico, em que os diferentes modos de viver e se relacionar com a floresta são desconsiderado”
Procurada pela reportagem da Pública para explicar porque os ribeirinhos de Pimental e outras comunidades ribeirinhas não estão sendo consultados, a Secretaria-Geral da Presidência enviou a seguinte nota: “O governo federal está discutindo com as comunidades indígenas e ribeirinhas uma proposta de metodologia de consulta a estas comunidades da região da bacia do Tapajós. No último dia 30 de janeiro, a Secretaria-Geral se reuniu com representantes do povo Munduruku e da comunidade Montanha Mangabal, quando apresentaram ao governo uma proposta de consulta. Os documentos estão em análise pelo governo federal”.
Apesar da falta de apoio do governo, a comunidade Montanha e Mangabal se organizou para montar o protocolo de consulta e aproveitaram a reunião entre a Secretaria e o povo Munduruku para entregar o seu documento. As outras comunidades a serem afetadas pela usina, porém, estão excluídas do processo. Como é o caso de Pimental, que reúne a maior concentração de ribeirinhos a serem removidos pela usina e nunca foi inserida no processo de consulta.
Falta de informação gera conflitos
A única comunicação entre os ribeirinhos e as empresas que conduzem os estudos é feita por um grupo que se apresenta como “Diálogo Tapajós”, uma empresa de São Paulo contratada pelo consórcio que fez os estudos de impacto ambiental, o mesmo que tem interesse em construir a usina. Em tese, o Diálogo é responsável por apresentar aos moradores os impactos que eles vão sofrer, preparando-os para a mudança e para a negociação com o empreendimento. Mas o grupo não tem autonomia para isso e acaba por não cumprir o seu papel.
“Eu não sei porque colocaram o nome ‘diálogo’, porque quando você faz uma pergunta, eles não respondem”, diz Eudeir Azevedo. Ele elenca algumas das questões para as quais nunca teve resposta: “Pra onde nós vamos mudar? Quanto mais ou menos é que se paga por área afetada? Eles nunca sabem responder nada, então a gente pergunta: quem é realmente de fato a pessoa que a gente deve conversar? Mas nem isso eles dizem”.
Em Pimental, a ação do Diálogo Tapajós tomou um contorno inusitado: o grupo que representa a usina virou “mediador” para aplacar conflitos criado pela própria usina entre membros da comunidade. Sem informações sobre os seus direitos, os moradores da vila se desentenderam sobre qual deveria ser a postura em relação ao empreendimento. O Diálogo Tapajós organizou um conselho para que os ribeirinhos se reunissem com a mediação da empresa.
O discurso da empresa hoje é de que o grande problema de Pimental é a cisão dentro da vila, como se os moradores fossem responsáveis caso as condicionantes não forem cumpridas. Givanildo Rodrigues de Paula, coordenador de campo do Diálogo, cita o exemplo da usina de Belo Monte como uma referência. A hidrelétrica está prestes a iniciar a produção de energia, mas está longe de completar o conjunto de ações sociais condicionadas à licença, como a remoção dos moradores. “É comum, nas nossas reuniões, aparecer a fala de que eles [ribeirinhos do Tapajós] foram a Belo Monte e viram que as casas não estão sendo feitas do jeito que prometeram. Ao invés de alvenaria, estão fazendo pré-moldado, que é quente”, diz Givanildo. “A gente coloca que o Diálogo não tem condição de garantir que aqui não vai ser dessa forma, mas que é um exemplo muito ruim e que a organização da sociedade civil tem que dar conta de evitar que isso aconteça aqui”.
O desentendimento entre moradores de Pimental esquentou em 2010, quando, sem pedir licença, uma empresa de topografia contratada pela Eletrobras furou o chão da comunidade para fixar os primeiros marcos. “Quando um morador foi perguntar qual era o serviço, numa boa, o funcionário disse que não tinha que dar explicação pra ninguém porque tava lá mandado pelo presidente, que na época era o Lula”, lembra Azevedo. Como o governo federal nunca se faz presente na vila, os moradores automaticamente acharam que o funcionário falava do presidente da associação de moradores, José Odair Pereira Matos, conhecido como C.A.K., e foram tomar satisfações com ele. Quando entenderam que o funcionário falava do presidente da república, um grupo se revoltou e destruiu o marco. A partir de então, a associação de moradores passou a proibir que os pesquisadores voltassem a pisar em Pimental. “Assim como eles têm o direito de dizer que a usina tem que sair, é um direito do ribeirinho defender o que é nosso”, diz C.A.K.. “A gente não tá pedindo cesta básica, um novo lugar pra morar, a gente tá defendendo um direito nosso”.
Ameaças e tentativas de suborno
Depois que assumiu uma postura mais combativa, C.A.K. diz que passou a receber intimações para recuar. Primeiro foram as ofertas de dinheiro. “Já recebi ligação do Rio de Janeiro, São Paulo, de meia hora, quarenta minutos. Já veio pessoas também em Pimental. Eles chegam falando em casa, carro e dinheiro no banco”. C.A.K. garante que sempre cortou as propostas pela raiz, nunca deixou os interlocutores chegarem a valores concretos nem nunca aceitou os convites para ir conversar em outros estados.
Depois que recusar as ofertas, C.A.K. relata que começou a receber ligações com ameaças. Um dos seus parceiros levou um soco em uma reunião, a agressão veio de um morador da vila que era contra a postura combativa do grupo. Foi quando C.A.K. decidiu se afastar da associação. “Não é fácil ser liderança nessa região, até nossa família fica marcada”, Apesar do afastamento, ele ainda integra o grupo de Pimental que tem a postura mais crítica em relação à usina. O novo líder da associação permite a entrada de pesquisadores na vila. Ele não pode ser entrevistado pela reportagem pois estava fora, trabalhando no garimpo.
Dentro da vila, a resistência foi vista com receio por alguns. Sem experiência em negociações, parte dos moradores tem medo que a postura os prejudique ainda mais, e preferem aceitar logo as compensações oferecidas. “Os empreendimentos usam as carências locais para impor o projeto, as pessoas acham que só terão acesso aos seus direitos se aceitarem a usina”, afirma Arthur Massuda, membro da Artigo 19. A organização, que trabalha pelo acesso à informação e liberdade de expressão, realiza atividades na região para tentar informar a população sobre os seus direitos no processo com as usinas.
Depois de entrevistar mais de 30 famílias para tentar entender o discurso do grupo afetado que se declara “a favor” da usina, a reportagem de Pública se surpreendeu ao encontrar definições como a de Tatá, que se define como “contra-mas-a-favor”. Ele explica com um riso nervoso: “sou do grupo a favor. Mas, se você me perguntar mesmo, na verdade eu sou contra”. Como muitos, Tatá teme sofrer as consequências de enfrentar um empreendimento financiado pelo governo federal.
Mais do que dividida, a comunidade de Pimental está rendida pelo medo. Tatá cita o caso dos Munduruku, grupo mais organizado na resistência às hidrelétricas na Amazônia e que já sofreu retaliações por sua postura. Depois de expulsarem os pesquisadores da usina de sua terra, em março de 2013, algumas aldeias foram cercadas por barcos e helicópteros da Força Nacional de Segurança. A Expedição Tapajós, como o governo batizou a ação policial, visava “garantir o apoio logístico e a segurança” dos pesquisadores e ficou um mês na região. “Era como estar preso na aldeia”, lembra Juarez Saw Munduruku, cacique da aldeia Sawré Muybu, que fica a poucas horas de Pimental. Sua aldeia virou o símbolo da resistência aos empreendimentos porque pode ter áreas alagadas pela usina, o que é inconstitucional (leia a reportagem A batalha pela fronteira Munduruku).
Mas Tatá quer distância da batalha travada pelos indígenas. Ele já formou seu veredicto: “Não vou me manifestar por nada, já estou grandinho demais pra estar apanhando, morrendo por aí. Não adianta. Você não pode lutar contra o governo federal. Se o governo federal quer, você tem que aceitar”.
Mesmas empresas interessadas na usina são responsáveis pelos estudos de impacto
A relação de pouca confiança entre as empresas que conduzem os estudos de impacto e a população afetada se explica por um vício de origem no processo de licenciamento. As mesmas empresas interessadas em fazer as obras são as responsáveis pelos estudos de impacto ambiental e social e pela comunicação com a população afetada.
“Tem, no mínimo, uma forte tendência de conflito de interesses”, diz Brent Milikan, diretor do programa Amazônia da International Rivers, que monitora o modo como o governo brasileiro conduz o licenciamento das hidrelétricas. “Estamos falando de impactos sobre um patrimônio público e a legislação estabelece que tem de ter medidas de mitigação e compensação. Mas isso, para as empresas, se traduz em gastos”.
Brent aponta o papel “contraditório” da Eletrobras nesse processo. A empresa de capital aberto que é controlada pelo governo federal lidera o consórcio de empresas interessadas em construir a usina, composto por Camargo Correa, EDF, Copel, Cemig, GDF Suez, Endesa e Neoenergia. Brent aponta que, ao invés de ser o fiel da balança do interesse público nesse processo, a Eletrobras lidera o consórcio “como uma empresa privada, focada em maximizar o lucro”. Pior, ela atuaria dentro do governo para pressionar e “intimidar” o órgão licenciador (Ibama) a aprovar os estudos e liberar o licenciamento.
No caso das usinas de São Luiz do Tapajós e Jatobá, o consórcio liderado pela Eletrobras contratou os serviços da CNEC Worley Parsons, empresa australiana que comprou a CNEC, consultoria técnica da Camargo Correa. A Worley Parsons, mesma que executa as obras de compensação social de Belo Monte, foi a responsável pelo levantamento dos impactos ambientais e sociais das usinas do Tapajós.
O Ministério Público Federal apontou uma omissão grave nesses estudos, que motivou uma ação civil pública contra o Ibama e quase paralisou todo o processo de licenciamento: a análise das usinas foram feitas de forma isolada, sem uma avaliação que medisse o conjunto de impactos das sete usinas na bacia. Além disso, o licenciamento estava chegando ao final sem que a população afetada fosse consultada. A data do leilão chegou a ser anunciada pelo Ministério de Minas e Energia, que dias depois suspendeu o anúncio.
Depois que a justiça federal exigiu, a Avaliação Ambiental Integrada ficou pronta em menos de três meses. Foi criticada por ambientalistas por ter sido feita às pressas e por ter se baseado em dados secundários. “O simples fato do estudo ser produzido pelas empresas interessadas deixa a informação viciada e limitada. Vira uma propaganda do empreendimento”, afirma Arthur Massuda, da Artigo 19.
A população de Pimental nunca foi consultada sobre a usina que pode ser construída sobre o solo onde a vila está há pelo menos 120 anos.
Por: Ana Aranha
Fonte: A Pública
Responsável por transportar em motocicleta tatu abatido é multado pelo Ibama no Pará
O proprietário da motocicleta que transportava um tatu morto, cuja imagem foi bastante divulgada em redes sociais na última semana, foi localizado pelos agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na tarde desta segunda-feira (09) no município de Dom Eliseu, sudeste do Pará.
De posse de fotografia, o Ibama desenvolveu um
trabalho de inteligência para localizar o infrator, que foi encontrado
na zona rural do município, na Vila Nazaré, onde trabalha. Como o animal
é ameaçado de extinção, o autor foi multado em R$ 5 mil e a moto foi
apreendida, além de responder a processo criminal. “Após a investigação
em sistemas, fomos a campo com os dados do infrator para autuação e
apreensão do veículo”, informou a analista ambiental do Ibama no Pará,
Christina Whiteman.
Segundo o superintendente-substituto do Ibama no
Pará, Leandro Aranha, a autarquia está atenta às redes sociais sobre a
ocorrência de crimes ambientais e solicita aos usuários que, quando
tiverem contato com publicações desses crimes, em vez de acionar o
administrador da página, denunciem para os órgãos ambientais a fim de
não prejudicar as investigações.
Ascom/PA
Isaac Lôbo
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015
PEC 215 será desarquivada
Presidente da Câmara diz que não pode impedir recomeço da
tramitação do projeto que transfere para Congresso tarefa de aprovar
formalização de Terras Indígenas, Unidades de Conservação e Territórios
Quilombolas
Kayapó cobraram do presidente da Câmara arquivamento definitivo da PEC 215 | J. Batista - Agência Câmara |
Em reunião com índios Kayapó, ele afirmou que não poderia impedir o
reinício da tramitação da proposta, arquivada no final do ano passado.
Os indígenas exigem que ela seja sepultada definitivamente (saiba mais).
Qualquer um dos 170 deputados que assinaram o projeto pode pedir seu
desarquivamento. A bancada ruralista apresentou um requerimento com esse
objetivo ontem e, segundo Cunha, o Regimento da Câmara obriga-o a
acatá-lo automaticamente. “Não tenho poder ou competência legal para
acabar com a PEC 215 ou nenhuma outra PEC. Tenho de cumprir o
Regimento”, afirmou o peemedebista.
De acordo com o presidente da Câmara, após o projeto ser
desarquivado, será necessário recriar a Comissão Especial que vai
analisá-lo. Cunha mencionou que há dúvidas sobre os prazos necessários
para o início das atividades do colegiado e o novo trâmite. O deputado
informou que será preciso discutir qual interpretação do Regimento deve
prevalecer sobre essa questão específica.
Por sugestão de parlamentares que participaram do encontro, Cunha
comprometeu-se a facilitar uma reunião entre deputados ruralistas e
socioambientalistas nas próximas semanas para discutir uma alternativa à
PEC.
Na avaliação de Sarney Filho (PV-MA) e Nilto Tatto (PT-SP), que
participaram da conversa com o presidente da Câmara, essa alternativa
poderia ser um projeto para regulamentar a indenização pela terra a
produtores rurais que ocupem áreas indígenas e tenham títulos fundiários
válidos. Ainda não há consenso sobre como isso poderia ser feito. A
Constituição garante, hoje, apenas o pagamento das benfeitorias aos
fazendeiros retirados de Tis.
“Os povos indígenas estão entendendo a PEC 215 como uma quebra do
contrato estabelecido com eles para garantir seus direitos na
Constituição de 1988. Se a PEC seguir tramitando, teremos toda a semana
uma manifestação aqui na Câmara contra o projeto”, advertiu Tatto. O
petista acredita que a análise e aprovação do projeto vão acirrar os
conflitos entre povos indígenas e produtores rurais. “Faremos tudo o que
estiver ao nosso alcance para que a Comissão Especial não seja aberta e
não funcione”, disse Sarney Filho.
Os deputados também pediram à Cunha que ele usasse de sua influência
para aprofundar a discussão sobre a PEC, permitindo que a sociedade
fosse ouvida sobre o assunto. O presidente da Câmara, todavia, apenas
repetiu vagamente que é favorável ao diálogo e ao consenso entre
ruralistas e povos indígenas e tradicionais.
Acordo
Cunha negou que tenha feito um acordo com os ruralistas para fazer
avançar a tramitação do projeto em troca de apoio à sua eleição para a
Presidência da Câmara, ocorrida no fim de semana. A demanda apenas teria
sido apresentada a ele.
O deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS) confirmou, no entanto, que
houve, sim, o entendimento com o peemedebista. “Vamos cobrar do
presidente esse compromisso”, destacou. Ele informou que os ruralistas
pretendem reapresentar o relatório de Osmar Serraglio (PMDB-PR) sobre a
PEC e vão defender a manutenção do parlamentar no cargo de relator. A
decisão sobre este último ponto depende do presidente da Câmara.
Heinze adiantou os outros pontos principais da agenda ruralista neste
início de ano, além da PEC 215: a instalação de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a Fundação Nacional do Índio
(Funai); a aplicação da Portaria 303/2012 da Advocacia-Geral de União
(AGU), atualmente suspensa e que restringe vários dos direitos
indígenas; e a aprovação do Projeto de Lei (PL) 7.735/2014, que regula o
acesso aos recursos genéticos associados à biodiversidade (a votação do
PL foi marcada para a próxima segunda, 9/2).
“Queremos acabar com a PEC. Não queremos briga com os brancos, mas
eles é que estão caçando briga conosco”, comentou Dotô Takakiri Kayapó.
“Sabemos que estão sendo feitos acordos no Congresso sobre a PEC”,
completou. Ele avaliou que a aprovação do projeto será vista pelos povos
indígenas como um ato de guerra e ressaltou que eles irão se mobilizar
contra a proposta.
Por: Oswaldo Braga de Souza
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
Índios Juma, uma história de abandono e sobrevivência na Amazônia
A aldeia está localizada em um campo de terra batida cercado de uma densa floresta margeada pelo rio Assuã, um afluente do rio Purus, a mais de 1.100 quilômetros de distância de Manaus, no município de Canutama, no sudoeste do Estado do Amazonas -. Uma das regiões da Amazônia Ocidental mais desprovidas de ações públicas e tensa pela existência de conflitos fundiários e socioambientais. O acesso via terrestre é pela rodovia BR 230, a Transamazônica, a partir da cidade Humaitá (AM), na divisa com o Estado de Rondônia.
Mandeí, 27 anos, que é a cacique da terra indígena, Maitá, 30, Borehá, 34, e o pai delas, o guerreiro Aruká, de 80 anos (conforme seu registro de identidade), são os últimos sobreviventes da etnia Juma, povo da família linguística Tupi-Guarani, denominado Kagwahiva, que sofreu massacres e quase foi dizimado ao defender o território da invasão de seringalistas e comerciantes de castanha na década de 60.
O pequeno grupo de sobreviventes chegou ao ano de 2015 em alta vulnerabilidade social e cultural, segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio).
A reserva continua alvo de invasões por madeireiros, pescadores e caçadores. Os costumes tradicionais não estão sendo seguidos pelos jovens e as crianças não têm escola na aldeia e nem estão aprendendo a ler e escrever na língua Tupi-Guarani.
O dia é 19 de novembro de 2014, quando a reportagem da agência Amazônia Real ingressou na Terra Indígena Juma, autorizada pela Funai, para uma visita de cinco dias, e encontrou duas crianças com febre alta: o bebê de dez meses Thiago Tembu e a menina Mborep, 9 anos, ambos filhos de Borehá.
Não havia termômetro para medir a febre das crianças. A garota Poteí, filha de Maitá, também estava doente, com feridas e sangramentos nos pés.
As crianças doentes são filhos de índios Uru-eu-wau-wau, povo que formalizou casamentos interétnicos com os Juma em 1999. Dos casamentos nasceram 13 netos de Aruká.
Na aldeia do rio Assuã estava em tratamento para curar uma malária o jovem Boatuto Uru-eu-wau-wau, primo do marido de Maitá, Puren, daí a suspeita da doença entre as crianças.
No dia seguinte, dentro de um dos três compartimentos de uma casa de madeira, a cacique Mandeí pediu socorro via rádio à Funai de Humaitá (AM). Ela disse para uma funcionária do posto Pupunha que era preciso providenciar o atendimento de emergência às crianças junto a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), do Ministério da Saúde.
“Atento Pupunha, Pupunha Juma. Temos duas crianças doentes aqui com febre de malária. O pé de Poteí está machucado. A Sesai não vem atender a gente?”, pergunta a cacique Mandeí no equipamento de radiofonia.
Após quatro tentativas de pedido de socorro, Mandeí ouviu a funcionária da Funai dizer que “a Sesai não tinha carro para atender o chamado naquele momento”.
Borehá então decidiu colher na floresta ervas para dar um banho no pequeno Thiago, que estava com tremores da febre alta. Depois do banho, ela deitou-se numa rede, atada dentro da casa de madeira, para embalar os dois filhos doentes.
A casa de madeira foi construída pela Funai em um terreno de grande declive que desequilibra qualquer pessoa que entra nela. Há goteiras quando chove. O lugar aloja a cozinha da aldeia, os mantimentos e os dormitórios de Aruká e dos visitantes.
Na área central do campo de terra batida da aldeia há mais três casas de madeira, cada uma tem três compartimentos, sendo uma residência de Mandeí, uma de Maitá e outra de Borehá.
Um tapiri tradicional, feito de palha por Aruká, é o local onde os indígenas fazem as refeições, conversam e assistem à TV por uma antena parabólica _ isto quando tem combustível para gerar energia do pequeno motor, comprado com o dinheiro dos próprios indígenas.
Na aldeia Juma não há saneamento básico e nem água encanada. A temperatura chega a 32 graus, na sombra, neste início da enchente na bacia do Purus. A água de beber e de tomar banho é puxada do rio Assuã e não é tratada. Os banheiros são precários. Moram no lugar 18 pessoas desde final de 2012.
Sem o atendimento médico, Mandeí, que é também agente de saúde da Sesai, foi tratar o pé de Poteí com anticéptico e uma pomada, medicação armazenada numa prateleira de sua casa, que é improvisada de “postinho de saúde”.
A situação da falta de atendimento de emergência na aldeia Juma fez a cacique contar à reportagem dois episódios marcantes na história do povo sobre a precariedade na saúde.
O primeiro, mais recente, foi o risco de morte que enfrentou quando atacada por uma cobra em março de 2014.
“Fui caçar e fui picada por uma cobra. Nem sei como consegui chegar aqui na aldeia. Passei um rádio (para Sesai). A Funai é que veio aqui e me encontrou. Meu pé estava inchado, não conseguia mais andar. A Sesai mesmo não dá muito apoio pra gente. A gente briga na Sesai, mas o pessoal não está nem aí pra gente. O pessoal vem assim, um mês, dois meses, três meses, mas não dá apoio (contínuo). Quem disse que podia fazer o postinho de saúde aqui era a Sesai e não fez”, disse Mandeí Juma.
O outro episódio relatado foi a morte de sua mãe, em 1996. Mborehá, também chamada de Mariná, morreu de uma doença desconhecida e sem assistência de saúde.
“Agora que eu falo o português direitinho, eu agora entendi que a Funai acha que a gente não sabe de nada. Mas naquela época que a minha mãe morreu, a Funai deixava a gente jogado. É por isso que minha mãe pedia socorro, a gente pedia socorro pro branco. Minha mãe morreu por causa de saúde, porque ninguém estava nem aí pra gente. Mesmo que hoje, Funai não está nem aí pra gente. A gente se acha abandonada pela Funai e pela Sesai, os dois”, afirma a cacique.
Os massacres e risco de extinção da etnia
Relatos de historiadores dizem que os índios Juma eram numerosos, em torno de 15 mil pessoas, no século 18. A invasão constante de garimpeiros em busca de ouro e diamantes no território provocou a migração da etnia do Alto Tapajós, no Pará, para as regiões dos rios Madeira e Purus, no sudoeste do Estado do Amazonas. Eles não aceitavam ser “amansados” pelos “brancos”.
Estudo do antropólogo Günter Kroemer (1939-2009), que conviveu com os indígenas nas décadas de 80 e 90 pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário), afirma que após sucessivos massacres eles foram reduzidos a cem pessoas, em 1943.
Em 1964, a etnia sofreu o maior massacre quando seringalistas e comerciantes de castanha de Canutama (AM) invadiram a terra indígena para instalar as frentes de extrativismo. Os acusados não foram punidos, apesar da Polícia Federal ter aberto um inquérito à época. “Mataram mais de 60 índios. Crianças, mulheres e homens foram mortos a tiros na defesa do território”, relata Kroemer, em documento de 1985.
Os Juma chegaram à década de 90 em risco de extinção por consequência dos massacres, das doenças, da violência de não-indígenas, do abandono dos órgãos públicos e da impossibilidade da realização de matrimônios entre as jovens.
A sociedade Kagwahiva é caracterizada por um sistema patrilinear em que cada pessoa é metade do pai. Assim, os casamentos são realizados com indivíduos de uma metade oposta.
No início da década de 90, o guerreiro e caçador Karé Juma foi atacado por uma onça pintada e morreu aos 35 anos de idade. Segundo estudo do antropólogo Edmundo Peggion, para o Instituto Socioambiental, ele era o único homem da etnia que poderia casar com uma das três jovens, dando continuidade ao povo Juma.
O capítulo drástico na cultura do povo Juma aconteceu em 1998. Conforme documento do Ministério Público Federal do Amazonas, o administrador da Funai de Porto Velho (RO), Sadi Olívio Biavalli, retirou de forma ilegal, e sem estudo antropológico, os últimos seis índios do grupo da terra tradicional.
Biavalli alegou em documento, inclusive um Boletim de Ocorrência da Polícia Civil, que as adolescentes do grupo estavam sendo exploradas sexualmente por ribeirinhos e pescadores não indígenas de Canutama. Borehá estava grávida.
As jovens Mandeí, Maitá e Borehá, o pai Aruká, e o casal de tios idosos, Inté e Marimã, foram levados à Casa de Saúde do Índio (Casai) de Porto Velho. A remoção deles da reserva acabou apressando os casamentos interétnicos com índios Uru-eu-wau-wau, em 1999.
Durante o primeiro ano de afastamento do território tradicional, o casal de tios, Inté e Marimã, morreu “provavelmente de tristeza e inadaptação ao novo lar”, disse a Presidência da Funai à agência Amazônia Real, em 2013.
Aruká e suas filhas foram morar na aldeia do Alto Rio Jamari, em Guajará-Mirim (RO) e formaram famílias com os Uru-eu-wau-wau, que são também denominados Kagwahiva.
A cacique Mandeí Juma contou à reportagem suas lembranças da vida na aldeia do rio Assuã antes de 1998.
“Quando eu era criança, quem vivia aqui era meu pai, minha mãe, meu tio Marimã, minha tia Inté, minhas irmãs Borehá e Maitá. Tivemos uma irmã (mais velha) que morreu quando éramos pequenas. Lembro também do Karé, que era solteiro. A onça pegou o Karé. Ele está enterrado no cemitério do rio Joari (afluente do Assuã). Aprendemos a língua com todos eles”, disse.
Retorno ao território tradicional
A Terra Indígena Juma ficou abandonada, mesmo demarcada e homologada com 38.351 hectares, em 2004. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e o Conselho Indigenista Missionário Cimi), ligado à Igreja Católica, denunciaram que a Funai tentava assentar na reserva 16 famílias de índios Guarani Mbya.
Em 2008, ao acatar ação do Ministério Público Federal contra a Funai, a Justiça Federal determinou que o órgão indigenista promovesse o retorno dos índios Juma da Terra Indígena Uru-eu-wau-wau, da região do Alto Jamari, em Guajará Mirim (RO), à reserva em Canutama (AM).
A Justiça também proibiu que a Funai assentasse as famílias Guarani Mbya no território do rio Assuã.
A ação, que denunciou danos morais à cultura da etnia Juma, diz que a Constituição brasileira veda a remoção dos grupos indígenas de suas terras. “Salvo com autorização do Congresso Nacional, em caso de catástrofe e epidemia eu ponha em risco a população, mas garantido o imediato retorno logo que cessasse o risco”.
Na decisão, a juíza Maria Lúcia Gomes de Souza determinou que a Funai providenciasse para o retorno: transporte de veículo e barco potente para uso exclusivo dos indígenas, alimentação, visitas periódicas das equipes de saúde, promovesse ações de infra estrutura (equipamentos de comunicação, estoque de combustível) para viabilizar a subsistência do grupo na Terra Indígena Juma “com dignidade para minimizar os danos causados pela remoção inconstitucional”.
Contribuiu para o retorno do povo ao território tradicional a situação do guerreiro Aruká. Ele estava deprimido na reserva indígena Uru-eu-wau-wau e com saudade de sua terra. Aruká é o único da etnia que pode ensinar aos filhos e netos a cultura tradicional do povo.
O retorno definitivo dos Juma ao território tradicional começou em 2012 e foi concluído pela Funai em 2013, após 14 anos de afastamento deles da terra e quatro tentativas de regresso mal sucedidas entre os anos de 2008 a 2011.
Segundo a cacique Mandeí Juma foi difícil deixar a aldeia.
“(Servidores da Funai) chegaram aqui dizendo que a gente era pouco, que minha tia estava doente, meu tio estava doente também. E falaram que era melhor a gente sair daqui. E que a gente era para se inteirar com os Uru-eu-wau-wau porque eles são a mesma da língua da gente. A gente não queria sair daqui, não. E fomos para o posto do Alto Jamari. Foi muito difícil. Os meus tios ficaram muito tristes porque saíram daqui. Ficaram apavorados e morreram lá. Foi muito triste. A gente pensava que ia sair, mas que ia voltar logo. E a gente ficou lá. Eu saí daqui, acho que com 11 anos de idade”, afirmou.
Crianças viajaram para ter atendimento médico
No sábado, dia 22 de novembro, na véspera da reportagem da agência Amazônia Real deixar a Terra Indígena Juma, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde deu o retorno ao pedido de atendimento de emergência para os indígenas.
A cacique Mandeí recebeu uma mensagem pelo rádio da aldeia de que uma equipe de saúde iria atender as crianças doentes, mas os índios precisariam se deslocar até a Vila Nossa Senhor do Carmo do Assuã, em Canutama.
A vila fica distante da aldeia a cerca de um quilômetro de caminhada na floresta e mais uma hora de viagem de barco (de voadeira com motor de popa) da aldeia. Como era cheia (enchente) do rio Assuã, o trecho estava navegável.
No final da manhã partiram da aldeia Juma, Borehá com os dois filhos: Thiago e Mborepe; Maitá e o marido Puren, que é o piloto da voadeira, as filhas dela Poteí e Morangüi, que apresentava febre alta, a cacique Mandeí com a filha Tejuvi, que também tinha febre.
Maitá, Puren e Poteí, que não foi levada ao hospital para serem verificadas as feridas nos pés, regressaram à aldeia na tarde do mesmo sábado. Maitá Juma disse à reportagem que a equipe da Sesai não levou o medicamento pediátrico para medicar as quatro crianças com suspeita de malária. “Eles foram removidos para receber atendimento na Casai (Casa de Saúde do Índio) de Porto Velho. Lá, eles vão para um hospital”, disse Maitá.
Para o atendimento de emergência em Porto Velho, os Juma e Uru-eu-wau-wau precisam se deslocar de veículo da Vila Nossa Senhora do Carmo do Assuã, em Canutama, num percurso de 120 quilômetros pela BR 230 (Transamazônica) e mais 200 quilômetros pela BR 319, até a capital de Rondônia.
Antes, as viagens eram mais curtas até a cidade de Humaitá (AM), mas a Casa de Saúde do Índio, do Ministério da Saúde, foi incendiada durante conflito de não-índios e indígenas Tenharim, em 2013, e não foi reconstruída uma nova sede.
Com a partida das crianças doentes e de suas mães para Porto Velho (RO), as famílias se separaram, permanecendo na aldeia a família de Maitá, seu pai Aruká, um total de 12 indígenas, além do sertanista técnico da Funai, Áureo César de Oliveira, e a equipe de reportagem da Amazônia Real.
A ausência de uma escola na comunidade indígena Juma também vai separar, em breve, as famílias Juma e Uru-eu-wau-wau.
Até início de fevereiro de 2015, nove filhos em idade escolar viajarão a aldeia dos avós paternos Uru-eu-wau-wau para ter acesso à escola de ensino fundamental, onde estão matriculados, no Alto Rio Jamari, em Guajará-Mirim (RO), um percurso de 800 quilômetros da aldeia do rio Assuã, em Canutama.
“As crianças não vão ficar aqui (na aldeia Juma) com a gente por causa do estudo delas. Se tivesse a escola aqui, ficavam todos juntos. Passariam apenas as férias lá (no Alto Jamari). Nossa preocupação é que estaremos divididos por causa da escola”, disse Maitá Juma, 30 anos.
A escola na aldeia Juma deveria ter ficado pronta no ano de 2013. A Funai disse à reportagem que a responsabilidade de construção da escola na reserva é da Prefeitura de Canutama. “Esta tem alegado falta de recursos para viabilizar a obra e manter a unidade com professor”, diz a Funai.
A Prefeitura nega a falta de recursos. “Estamos aguardando autorização da Funai para iniciar a construção da escola na aldeia”, diz o secretário municipal de Comunicação, Fregilsom Rabelo dos Santos.
Separação pode enfraquecer cultura
Em Porto Velho, durante o tratamento dos filhos na Casa de Saúde Indígena, Borehá Juma disse à reportagem no dia 23 de novembro, por ligação telefônica, que as crianças doentes estavam com malária e tomaram medicação para o tratamento da doença. Ela contou que encontrou no local o marido Erowak Uru-eu-wau-wau. Ele estava acompanhando o pai Payron em tratamento de um câncer.
Apenas no dia 6 de janeiro de 2015, a Sesai respondeu às perguntas, enviadas pela reportagem em 18 de dezembro, sobre a situação de saúde das crianças.
A Sesai não confirmou a suspeita de malária nas quatro crianças. Disse que o bebê Thiago Tembu recebeu atendimento hospitalar, mas para tratar uma anemia e não esclareceu o tipo da enfermidade. Também não explicou sobre o estado de saúde das crianças Mborep, Morangüi e Tejuvi.
No final do mês de novembro, o pai de Erowak morreu. Borehá e o filho Thiago, que recebeu alta médica, e menina Mborep partiram de Porto Velho para acompanhar a cerimônia fúnebre do sogro na aldeia do Alto Jamari, em Guajará-Mirim (RO).
Como são parentes diretos, a família de Maitá e Puren Uru-eu-wau-wau também foi para o enterro e levou os filhos, Shakira, Anaíndia, Morangüi, Poteí, Kwaimby e Kunhãvé, além dos outros filhos de Borehá: Puré e Avip; e o filho de Mandeí, Kajuby.
Com a partida das famílias de Borehá e Maitá para o Alto Jamari, permaneceram na aldeia Juma, até o dia 21 de janeiro último, Aruká e Mandeí, que retornou da Casa de Saúde do Índio de Porto Velho com sua filha Tejuvi.
Em contato telefônico com a reportagem da Amazônia Real no dia 22 de janeiro, a cacique Mandeí Juma disse que saiu da aldeia, em Canutama, com a filha Tejuvi. A menina estava com dores na barriga. Ambas foram levadas por uma equipe da Sesai para a cidade de Lábrea (a 60 quilômetros da aldeia Juma) para obter atendimento de saúde. Segundo Mandeí Juma, seu pai ficou sozinho na aldeia até domingo (25), quando chegaram dois funcionários da Funai para fazer a proteção do lugar.
Leonardo Cruz Sousa, indigenista e ex-gestor ambiental da ONG Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, em Rondônia, acompanhou o regresso dos índios Juma à terra tradicional e trabalhou com etnia entre 2007 e 2014. Ele afirmou que a Funai e demais órgãos do governo federal têm que cumprir a responsabilidade de proteger o território dos indígenas Juma, encaminhando para o local servidores para atuar na proteção, no desenvolvimento de atividades econômicas da etnia, no apoio das ações de valorização cultural, na saúde e no ensino diferenciado e bilíngue.
“Provavelmente se os Juma não conseguirem essa ajuda, voltarão à terra Uru-eu-wau-wau e perderão suas terras para os invasores. A volta ao território de outro povo enfraquece a cultura Juma e os tornam submissos e dependentes de outra etnia e da boa vontade de algum servidor que venha se compadecer deles. Os filhos dos Juma e Uru-eu-wau-wau provavelmente no futuro brigarão por seu território”, afirmou Leonardo Cruz Sousa.
Enquanto a Funai e a Prefeitura de Canutama não se entendem com o problema do ensino na reserva, os Juma vão tentando sobreviver economicamente com a produção farinha de mandioca artesanal para gerar renda. “Queremos fazer dez ou 16 sacas para vender em Humaitá. Não sabemos o que vamos fazer com o dinheiro, mas queremos investir na aldeia”, disse Mandeí.
Segundo a cacique, em 2013 o povo Juma ganhou o Prêmio Culturas Indígenas 4ª. Edição – Raoni Metuktire no valor de R$ 15 mil. No diploma que a indígena recebeu está escrito que o prêmio é realizado pelo Ministério da Cultura e pela ONG Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul). O patrocínio foi da Petrobras. Mandeí afirmou que o dinheiro ajudou na compra de equipamentos para estruturar a aldeia. Mas não recebeu o valor total do prêmio.
“O prêmio foi pelo documentário realizado, com o apoio da ONG Kanindé, ‘Retomando o território tradicional da Aldeia Juma’. Eu fui apresentar em Brasília. O prêmio era 15 mil, mas só depositaram R$ 10 mil. A gente queria o restante do dinheiro”, afirmou a cacique.
“Mesmo faltando os R$ 5 mil do prêmio, que não sabemos para onde foi esse dinheiro, nós compramos com os R$ 10 mil uma televisão, uma parabólica, uma máquina tanquinho de lavar roupa, um tanque de concreto, um gerador e um freezer, tudo para a nossa aldeia”, concluiu Mandeí Juma.
MPF quer atenção urgente da União
Em entrevista à agência Amazônia Real, o procurador do Ministério Público Federal no Amazonas, Fernando Merloto Soave, responsável pelo Ofício de Povos Indígenas e Populações Tradicionais, disse que a ação civil pública nº 2008.32.00.006216-0, movida contra a Funai para garantir o retorno dos Juma ao território tradicional, está prestes a ser sentenciada, tendo sido concluída a fase de alegações finais.
Com relação a falta de escola na aldeia e a precariedade no atendimento de saúde dos indígenas, o procurador Fernando Soave afirmou que medidas cabíveis serão avaliadas após a Justiça Federal proferir sentença, o que deve acontecer este ano.
“Há a possibilidade de se cobrar providências dos órgãos competentes na fase de execução da sentença. A adoção de medidas relacionadas às condições de infraestrutura para que os Juma possam permanecer com dignidade em suas terras constituem o objeto da ação como requisitos essenciais para o retorno definitivo dos Juma ao seu território”, afirmou o procurador da República.
Sobre a atual situação social e cultural dos índios Juma e suas famílias dos casamentos com Uru-eu-wau-wau, o procurador Fernando Soave diz que “é delicada em face da deficiência/ausência de estrutura, apoio e da recente transição que vivem, precisando especial e urgente atenção do Poder Público, seja no âmbito local, seja por parte da União/Funai”.
O indígena Raimundinho Parintintin, coordenador técnico da Funai de Humaitá (AM), afirmou à reportagem que os Juma conseguiram permanecer o ano todo de 2014 dentro do território com acompanhamento de servidores do órgão dentro da reserva.
“O recurso que tinha foi financiado pela Coordenação Geral de Promoção Social e foi até outubro de 2014. Agora não temos mais recursos para permanecer com um servidor lá. Estão só eles (os índios). Uma das coisas que vimos na fragilidade deles não permanecerem lá, era a falta da Funai. Junto com a Funai, eles se sentem mais felizes. Eles não retornaram por isso”, afirmou o coordenador.
Raimundinho disse que a previsão de investimentos da Funai para as ações com a etnia Juma era de R$ 60 mil, em 2014. Mas foi disponibilizada a quantia de R$ 32 mil. O dinheiro, segundo ele, foi destinado para pagamentos de diárias dos servidores deslocados à reserva e para apoiar a coleta de castanha e os roçados dos índios.
Sobre o retorno dos Juma à terra tradicional, Raimundinho Parintintin disse que a ação está concluída. “Pra mim o que possibilitou foi a ação do MPF. Que ajudou bastante porque a Funai tinha tomado uma decisão inconstitucional de tirar os indígenas de sua terra demarcada”, afirmou.
A reportagem da Amazônia Real procurou a assessoria de imprensa do Ministério da Cultura para falar sobre o pagamento do Prêmio Culturas Indígenas 4ª. Edição – Raoni Metuktire à etnia Juma.
Segundo nota do ministério, o prêmio foi realizado com apoio do Ministério da Cultura, via Lei Rouanet. Disse que a organização não governamental Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul) foi a responsável pela promoção e pagamento do prêmio.
O Ministério da Cultura não explicou o motivo pelo qual o pagamento do prêmio aos índios Juma foi menor do que o anunciado. O ministério pediu à reportagem que procurasse Romancil Cretã, da Arpinsul, para que ele falasse sobre o pagamento da etnia Juma, mas o representante da organização não foi localizado até o fechamento desta matéria.
As famílias dos casamentos interétnicos
Dos casamentos interétnicos realizados entre os índios Juma e Uru-eu-wau-wau, em 1999, foram constituídas três famílias com 20 pessoas, sendo 13 netos de Aruká.
Segundo a Funai, esses matrimônios são comuns na Amazônia desde tempos imemoriais. A diferença é que os dois grupos não se conheciam e os Juma aceitaram os casamentos como estratégia de garantir a continuidade da família.
Maitá Juma diz que sua mãe, Mborehá, antes de morrer em 1996, sempre falava dos casamentos das filhas. “Minha mãe tinha muita preocupação em saber com quem a gente ia ficar. Não tinha homem Juma para casar com a gente. Ela pediu para o Rieli (Franciscato, indigenista da Funai que acompanhou os índios nos anos 90) para trazer outra etnia para casar com a gente aqui. Aí a gente foi para Porto Velho e juntamos com o Uru-eu”, afirmou.
À Amazônia Real encontrou 18 pessoas das famílias vivendo na aldeia Juma, em Canutama (AM), na visita à terra indígena no mês de novembro último.
Os indígenas sobrevivem da pesca farta no rio Assuã e seus afluentes da bacia do rio Purus, da caça, coleta de castanhas, da roça de mandioca, milho e frutas, da venda da farinha artesanal no comércio local, e dos benefícios do programa Bolsa Família. Na aldeia todos trabalham.
Aruká Juma não tem esposa. Ele casou-se em 1999 com Boropó Uru-Eu-wau-wau-wau com quem teve uma filha de nome Juvy, hoje com 15 anos, mas o casamento foi desfeito 2007. As duas moram em uma aldeia do Alto Rio Jaru, em Guajará-Mirim (RO).
Borehá Juma, 34 anos, tem quatro filhos do casamento com Erowak Uru-eu-wau-wau: a menina Mborep, 9, e os meninos Puré, 12, Avip, 7, e Thiago Tembu (o primeiro nome em referência ao cantor e compositor brasileiro Thiaguinho), 10 meses. A reportagem não encontrou Erowak na aldeia Juma. Ele estava acompanhando o pai em tratamento de saúde em Porto Velho (RO).
Borehá Juma é também mãe de uma adolescente de 16, nascida de um relacionamento com um pescador não indígena. A menina foi entregue, segundo a indígena, para estudar com um casal de missionários organização da Jocum, em 2006. Ela disse que não autorizou a adoção da garota. O Ministério Público Federal do Amazonas deve investigar o caso.
Maitá Juma, 30 anos, é casada há quase três anos com Puren Uru-eu-wau-wau, 39 anos, com quem tem duas filhas: Anaíndia, 2 anos e oito meses, e Tejuvi Shakira (o segundo nome é em alusão à cantora colombiana), 1 mês e oito dias. Maitá é mãe também das garotas Kunhãvé, 14, e Morangüi, 7, e do garoto Kwaimby, 12, ambos do casamento com Puruwá Uru-eu-wau-wau, que morreu atingido por um raio, em 2009. Também estava na aldeia o jovem Boatuto Uru-eu-wau-wau, primo de Puren.
Os índios Uru-eu-wau-wau, também denominados de Jupaú, que quer dizer “os que usam jenipapo”, viviam em decréscimo populacional até o final da década de 90 em razão de conflitos e doenças, segundo estudo da ONG Kanindé. Para aumentar a população, há registros de casamentos de Uru-eu com índios da etnia Arara e Juma.
À reportagem, o marido de Maitá, Puren Uru-eu-wau-wau disse enfrentou uma reação do pai para casar com ela e morar na terra indígena Juma.
“Eu gosto dela e gosto da aldeia dela também. Aqui tem peixe demais. Na aldeia Uru-eu tem caça, mas é muito longe (está escassa). O madeireiro não para de roubar madeira e mata os bichos. Eu tenho pai e irmãos. Minha mãe não tenho mais. O meu pai pediu para eu ficar no Alto Jamari. Ele disse que minha mulher tinha que vir sozinha. Eu disse não. Eu gosto dela. Aí o meu pai falou assim: eu sei que você trabalha, você é homem, não vou mais me preocupar porque Uru-eu homem sabe se virar”, disse o indígena.
Mandeí Juma, 27 anos, casou com Kwari Uru-eu-wau-wau, com quem teve três filhos: os meninos Byteté, 14, Kajuby, 5, e a menina Tejuvi, 10. Mas, segundo ela, o casamento também foi desfeito. Kwari, que é professor, tem outra mulher da etnia Uru-eu. Byteté, que é estudante, mora com o pai no Alto Jamari (RO).
“O casamento foi bom. Eu tenho três filhos. Eu pensei que iria viver para sempre lá (na aldeia Uru-eu-wau-wau), mas não foi isso que aconteceu. Foi muito importante voltar a terra do Juma. O meu pai está idoso. Só vai ficar três da gente, o puro do Juma. A gente vivia feliz também lá no Uru-eu, mas não era tanto. Lá não tinha rio para pescar, só tinha caça. Quando retornamos para a terra do Juma ficamos mais felizes. Sinto que aqui que é meu lugar”, disse Mandeí Juma.
Os Uru-eu-wau-wau formam uma sociedade patrilinear. Cada pessoa pertence à metade do pai, como ocorre com os Juma. Maitá disse que quando seus filhos nasceram, os pais Uru-eu-wau-wau é que escolheram os nomes das crianças.
Esses filhos, segundo ela, deverão se casar com parentes de grupos opostos dos pais Uru-eu-wau-wau. Esse sistema de casamento e parentesco faz a indígena falar, pela primeira vez, sobre a extinção da etnia Juma.
“Não existe muita diferença da língua do Juma para o Uru-eu. É muito igual à cultura dos dois. Eu acho que as crianças se sentem Juma e Uru-eu-wau-wau. Mas a gente não lembra mais da nossa cultura. A festa da menina moça (para celebrar a primeira menstruação) de Kunhãvé foi feita na cultura Uru-eu. Então eu acho que está aumentando mais o Uru-eu. De Juma só é eu, minhas irmãs e o velho (Aruká). Com certeza vai nascer mais Uru-eu. É por aí que o Juma vai acabar”, disse Maitá Juma.
Por: Kátia Brasil
Fonte: Amazônia Real
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