O maior sítio de desova de quelônios da América do Sul corre o risco
de deixar de existir em razão da construção da UHE Belo Monte. A
sobrevivência das tartarugas da Amazônia (Podocnemis expansa) está
ameaçada
Tartarugas chegam ao Tabuleiro do Embaubal para depositar seus ovos nas praia do baixo Xingu. Foto: WWF
O maior sítio de desova de quelônios da América do Sul corre o risco
de deixar de existir em razão da construção da UHE Belo Monte. A
sobrevivência das tartarugas da Amazônia (Podocnemis expansa) está
ameaçada.
A apenas 10 quilômetros de distância do canteiro de obras da que
pretende ser a terceira maior usina hidrelétrica do mundo, está o
Tabuleiro do Embaubal, no rio Xingu, entre os municípios de Senador José
Porfírio e Vitória do Xingu (80 km de Altamira). Todos os anos as
tartarugas aparecem. Entre os meses de setembro e novembro, quando o rio
está no período de estiagem, elas chegam aos montes a esta praia que se
forma na cabeceira do rio, conhecida como tabuleiro.
Numa área de não mais do que três campos de futebol, 20 mil
tartarugas da Amazônia buscam abrigo para reproduzir. O espaço é
concorrido, são 3 hectares onde a maior tartaruga de água doce da
América do Sul – que chega a medir 70 cm de comprimento e a pesar 25 kg –
escolhe como sítio de reprodução e coloca em média 120 ovos.
Um fenômeno, para muitos emocionante, que começa a dar seus frutos no
início de dezembro – após o período de incubação que leva entre 45 e 55
dias– quando começa a temporada dos nascimentos.
Hidrovia no rio Xingu
Essa
espécie natural da bacia amazônica passou rapidamente da categoria de
“pouco conhecida” para “ameaçada”. A espécie é utilizada como fonte de
recurso há séculos por ribeirinhos tanto para alimentação como para
produção de óleo. Antes da energia elétrica, o óleo de tartaruga era
usado para iluminar as cidades da Amazônia. Agora o perigo é outro.
“Embarcações e grandes balsas passam pela rota de onde as tartarugas
cruzam para chegar ao tabuleiro. Aquela região do Xingu tem sofrido um
impacto muito grande dessa obra. O impacto é direto, não é indireto como
fala o EIA/Rima (Relatório de Impacto Ambiental)”, disse a ((o))eco
Luiz Coltro, do Programa Amazônia da Rede WWF-Brasil, que defende a
criação de duas unidades de conservação na região para proteger esta
espécie de tartaruga.
O Tabuleiro do Embaubal reúne mais de cem ilhas no trecho final do
rio Xingu e, com a inundação de áreas como a Volta Grande em decorrência
da UHE de Belo Monte, a barragem poderá reter sedimentos e matéria
orgânica apodrecida, importantes para conservar as praias do Embaubal,
principal área onde esta espécie de quelônio desova.
“Os grandes tabuleiros que concentravam milhares de tartarugas
sumiram, não há mais esse fenômeno na Amazônia. O Embaubal é um
remanescente daquilo que se encontrava em termos de tabuleiro, é o maior
da bacia amazônica em atividade”, argumentou Coltro.
Um dos impactos diretos sobre a área de desova das tartarugas da
Amazônia é a hidrovia que liga Belém – Porto de Moz – Vitória do Xingu.
“Nessa hidrovia, temos detectado uma quantidade enorme de cascos de
tartarugas destruídos pelo impacto de hélices de barcos, rebocadores e
balsas gigantescas que passam na frente do tabuleiro, bem na rota por
onde as tartarugas cruzam”, comentou.
Segundo o analista de conservação, além do aumento de casos de
atropelamento das tartarugas, o volume de vazamento de óleo diesel no
rio Xingu tem sido identificado com frequência. “Em determinadas épocas
do ano o rio tem uma coloração diferente”.
Há cerca de dois anos, um novo fenômeno foi observado, por não
encontrarem lugares seguros para a desova, as tartarugas soltam os ovos
em pleno rio. “A tartaruga precisa de um lugar tranquilo, ela observa
durante dias o tabuleiro para ter certeza de que aquele lugar oferece
segurança para colocar os ovos. O processo todo leva quatro horas. Nessa
época do ano, a gente evita ao máximo andar pelo tabuleiro. Mas com o
fluxo descomunal de embarcações gigantes que carregam caminhões, a
tartaruga simplesmente solta os ovos na água. É uma estratégia de
autopreservação”, explicou.
Menos peixe
Desde o início das obras da hidrelétrica, foi observado um forte
avanço de grilagem e invasão de terras em matas ribeirinhas no rio
Xingu, sem contar a sobrepesca na região.
“A pesca está muito além da capacidade. Os pescadores da região estão
reclamando que há anos pescavam cerca de 120 kg de peixe e, hoje, não
pescam mais que 30 kg. Cada vez mais está escasseando peixe no rio”,
lamentou.
A área do Embaubal, segundo Coltro, já teria sido inclusive alvo de
estudos do Ministério de Meio Ambiente que reconhecera esta como uma
área prioritária para conservação pela diversidade biológica que abriga e
por sua importância socioeconômica, incluindo seu potencial turístico.
O Tabuleiro do Embaubal e suas ilhas adjacentes foram ainda objetos
de amparo legal do Macrozoneamento Ecológico-Econômico do Estado, com
proposta para criação de uma unidade de conservação do grupo de proteção
integral (Lei nº 6.745/ 2005). O programa de Áreas Prioritárias para
Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios da
Biodiversidade Brasileira classificou a região como prioridade de ação
em categoria extremamente alta, com ocorrência de espécies ameaçadas,
endêmicas e migratórias.
Duas novas Ucs
A expectativa, aponta o analista de conservação, é que neste primeiro
semestre de 2014, poderão ser oficializadas a criação do Refúgio de
Vida Silvestre (Revis) de proteção integral das cerca de 20 mil
tartarugas da Amazônia (Podocnemis expansa) e a Reserva de
Desenvolvimento Sustentável (RDS).
As duas Ucs estaduais somam 27 mil hectares e estão localizadas
próximo ao pequeno município de Senador José Porfírio, no Pará, com
apenas 13 mil habitantes.
Estas unidades representam duas categorias com regimes de utilização
diferentes, explica Coltro. “Queremos dotar a região com políticas de
conservação, mas ainda não conseguimos mecanismos financeiros para
perpetuar estas ações”.
Enquanto o Revis é uma categoria recomendada para espécies que tenham
ameaçado o seu sítio de reprodução e se destina à proteção da
biodiversidade encontrada na região; a RDS é uma zona do entorno do
refúgio de vida silvestre e reúne as ilhas do rio Xingu, assim como
parte da comunidades que vivem à beira do rio e desenvolvem a pesca como
principal atividade econômica.
Um dos potenciais da região identificados é o conjunto de cavernas e
sítios arqueológicos que indicam aqueles territórios como áreas
habitadas por grupos indígenas no passado.
No dia 28 de novembro de 2013, cerca de 300 moradores do pequeno
município de Senador José Porfírio aprovaram em uma consulta pública a
criação destas duas unidades. A consulta corresponde a uma etapa
posterior à elaboração de estudos ambientais, socioeconômicos e
fundiários, que tem sido realizada desde 2009.
Teve início agora em janeiro a fase de elaboração do parecer técnico
por parte da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará (SEMA) para
embasar a redação da minuta do decreto que cria as Ucs. E, em seguida, o
texto será encaminhado à mesa do governador do Estado para assinatura.
“A criação de Ucs tem algumas fases que são gargalos, a gente está na
parte delicada. Vamos para a vontade política, a vontade social já
tivemos. Até fevereiro, a minuta de decreto chegará à mesa do
governador”, comentou Coltro esperançoso de que em março sejam
anunciadas as duas unidades.
O analista lembrou ainda que o estado do Pará se comprometeu na
criação de 60 milhões de hectares de Ucs e conta, atualmente, com 42
milhões de hectares de áreas protegidas.
Após a fase de acompanhamento político e de criação das Ucs, terá
início a etapa de implementação destas áreas protegidas com pesquisas,
elaboração do plano de manejo, criação do conselho gestor e organização
das atividades de turismo na região.
Em nota divulgada em dezembro de 2013, a Norte Energia, consórcio
responsável pelas obras de Belo Monte, informou que apoia a criação de
Ucs nas praias do arquipélago do Tabuleiro do Embaubal, no sudoeste
paraense.
“A iniciativa faz parte do Plano de Conservação de Ecossistemas
Aquáticos executado pela Norte Energia (…) que mantém equipes de
pesquisadores no local. Para atender ao trabalho de monitoramento dos
berçários e dar suporte à elaboração de estudos, a empresa construiu uma
base de apoio, com alojamentos e acesso à internet”, informou o
comunicado.
Fonte: O ((eco))
http://www.youtube.com/watch?v=mqNqdKjDmuY